A receita de um dono de restaurantes para aumentar o consumo: desmistificar o vinho e deixar o cliente ser feliz

by José Maria Santana | 07/02/2019 16:40

Entrevista: Murilo Canassa

Fala-se muito que o brasileiro consome pouco vinho, que mesmo os que bebem não sabem quase nada sobre a bebida e que é preciso desmistificar o vinho para atrair mais pessoas. Diante disso, Brasil Vinhos conversou com alguém que lida com esta situação todos os dias: Murilo Canassa, dono de dois restaurantes em São Paulo. Aos 41 anos, solteiro, paulistano da avenida Paulista, formado em Administração de Empresas, Murilo abriu sem primeiro restaurante, a parrilla argentina Ladrillo, em Moema, em 2007. Aí aprendeu a apreciar vinho e, mais tarde, decidiu ampliar o relacionamento entre carnes e a bebida.

Criou então em 2011, com alguns sócios investidores, a DiBacco Carnes e Vinhos, que hoje tem duas unidades em São Paulo, em Perdizes e na Vila Nova Conceição. O nome já deixa clara a proposta da casa – vinho e carne são os protagonistas. Os dois endereços recebem, em média, 4 mil clientes por mês. Segundo o empresário, cerca de 25% pedem vinho, o que não acontecia anos atrás.

Com a experiência de quem acompanha de perto o dia a dia de seus restaurantes, Murilo Canassa traça, nesta entrevista a Brasil Vinhos, o perfil de consumo da clientela. Ele conta que a maioria não entende muito de vinho e decide mais pelo preço. Não importa, afirma, o importante é que todos sejam felizes com o rótulo escolhido e que o consumo aumente, seja na forma de sangria, de vinho misturado com gelo ou de outras maneiras às quais os puristas sempre torceram o nariz.

 

Como começou a trabalhar com restaurantes e carnes?

Eu sempre gostei muito de carne, de fazer churrasco, de frequentar churrascarias. Comecei estudar mais sobre o produto e em 2007 decidi abrir minha própria parrilla argentina, o Ladrillo. Eu já gostava também de vinho e aí me apaixonei de vez. Alguns anos depois, decidi aprofundar a relação entre as duas coisas e assim surgiu a DiBacco Carnes e Vinhos. A primeira casa foi inaugurada no final de 2011, em Perdizes. A segunda, na Vila Nova Conceição, em 2015.

 

De onde vem a carne servida no DiBacco?

Há importadoras especializadas, que trazem ótimos produtos de fora, mas curiosamente, hoje as melhores carnes são nacionais. O diferencial, nosso e de outras boas parrillas, é que só trabalhamos com carne de gado Angus. O interior de São Paulo e o Mato Grosso têm excelente produção. Eu diria mesmo que atualmente as melhores carnes encontradas na América Latina são brasileiras. É um fenômeno recente. Antes, as mais procuradas eram carnes da Argentina e do Uruguai, de quem ainda compramos. Mas o Brasil atropelou isso. Aliás, a carne brasileira de nível superior é mais cara do que a importada.

 

E qual o papel do vinho na proposta dos seus restaurantes?

O vinho tem tudo a ver com a carne. A ideia é deixar o vinho de fácil acesso aos clientes. Procuramos estocar as garrafas de forma correta, em adega inteiramente climatizada. E, também importante, trabalhamos com margens razoáveis, próximas das lojas e do varejo das importadoras. Tentamos fazer com que as pessoas tenham prazer em tomar vinho sempre que venham aqui.

 

Como estabelece as margens na carta de vinhos?

Em primeiro lugar, tento estabelecer a melhor negociação possível com o importador. E então, para qualquer vinho, de qualquer importadora, seja da linha básica ou um rótulo especial, trabalhamos com a mesma margem, de 70% sobre o valor de compra. O cliente percebe que está pagando aqui o mesmo que pagaria, por exemplo, em uma loja. Infelizmente, uma grande dificuldade é a excessiva carga tributária que há no Brasil, que torna os vinhos muito mais caros que em outros países. Não fosse isso, certamente o consumo poderia ser muito maior aqui do que é hoje.

 

Qual a porcentagem de clientes que pedem vinho?

Nas duas DiBacco temos em média 4 mil clientes por mês e eu diria que 25% pedem vinho. Pode ser uma taça ou uma garrafa. Tenho visto que mesmo no almoço, no intervalo do trabalho, várias pessoas já pedem uma tacinha de vinho para acompanhar o prato executivo, ou dividem uma meia garrafa quando estão em dois.

 

Antes isso não acontecia?

É interessante notar, digamos, uma evolução. Cerveja sempre foi o carro chefe. Continua, mas não tanto como antes. No almoço, na maioria das mesas havia refrigerante. Hoje a gente percebe que muitos preferem água, uma coisa mais saudável. O vinho vai no mesmo caminho e sinto que hoje está mais presente. O forte, claro, é no jantar.

 

Pela experiência do dia a dia dos restaurantes, que tipo de vinho as pessoas preferem?

A grande maioria escolhe os rótulos básicos, de consumo no dia a dia. São vinhos até R$ 100,00, que representam praticamente 90% das vendas. Quase todos tintos. Eu diria que, como nosso forte são as carnes vermelhas, os brancos não chegam a 3%, embora tenhamos vários bons exemplares na carta. A exceção, claro, são os espumantes, que têm boa saída. O brasileiro ainda precisa aprender mais e descobrir o prazer de tomar um vinho branco.

 

No caso dos tintos, quais os preferidos?

Sem dúvida, de 90% a 95% são vinhos do Novo Mundo, a grande maioria de Argentina e Chile. Mantemos na carta ótimos rótulos do Velho Mundo. Temos vendas, mas não há como comparar com o Novo Mundo. Acho que o problema é preço. Pelo perfil da casa, a uva Malbec ainda é a mais pedida, nos tintos argentinos e até em chilenos que indicam esta variedade no rótulo. Tempos atrás, por exemplo, colocamos na carta o chileno Montes Alpha Malbec e foi um grande sucesso.

 

As pessoas pedem mais varietais ou blends?

A maioria vai atrás das uvas que já conhece e não gosta de se arriscar muito. Por isso os varietais predominam. No caso dos blends, as pessoas não sabem bem o que estão tomando. Mas se provam algum vinho do Velho Mundo, seja por indicação de amigos ou por sugestão nossa, sinto que há um processo migratório. Percebem que são vinhos menos pesados, mais equilibrados e acabam se tornando fãs deles.

 

Voltando ao caso, por que acha que o blend assusta?

Os vinhos do Velho Mundo, como se sabe, não costumam indicar as uvas no rótulo. São blend, vinhos de mistura. Muitos rótulos importados antigamente não tinham qualidade e acho que isso meio que queimou o filme, deixou uma memória nas pessoas. Hoje a situação mudou e o nível dos importados subiu bastante. O engraçado é que as pessoas dizem que preferem os vinhos varietais, só que elas gostam mais de blend. Elas gostam, mas não sabem disso. No blend sente-se mais o trabalho do enólogo e são vinhos que podem ser mais equilibrados e agradáveis. A verdade é que o consumidor está evoluindo e certamente com o tempo vai perceber isso.

 

Já se nota isso?

Vejo que vários clientes se aventuram mais, passam a experimentar vinhos de regiões que antes não costumavam pedir, a quebrar os paradigmas. Então acredito que o consumo vai mudar nos próximos anos. A maior participação das mulheres é outro ponto a ser considerado.

 

Quando há um casal à mesa, normalmente quem escolhe o vinho, o homem ou a mulher?

Antes, geralmente era o homem. Mas aqui na DiBacco não fazemos esta distinção. A carta de vinhos é entregue para o homem e para a mulher. E hoje eu vejo que as mulheres estudam mais, são mais interessadas no produto, enquanto muitos homens bebem, simplesmente, sem querer se aprofundar muito. Aliás, quando apresento o vinho escolhido, dou a provar aos dois, para ver se está de acordo com o que eles queriam.

 

Há devoluções?

Pouquíssimas. Às vezes a gente vê que o problema não está no vinho e sim na taça, que por um motivo ou outro não ficou bem lavada. Aliás, vou também a outros restaurantes e percebo que é muito frequente haver problemas de higienização das taças, por uso de produtos ou de panos inadequados, que deixam aromas estranhos no copo. Quando se valoriza o vinho, isso é uma coisa a que se deve prestar muita atenção.

 

E se o cliente reclama que o vinho não está bom?

Tentamos entender o que está acontecendo. Mas não ficamos discutindo com ele, dizendo que ele é que escolheu mal, ou algo do gênero. Trocamos a garrafa, simplesmente. Depois a importadora nos faz a reposição. A pior coisa é tratar o cliente com soberba. Mas acontece também de a pessoa pedir um vinho, esperando uma coisa e, quando vê a garrafa, percebe que não é isso que queria. Outro dia um casal, pretendendo tomar um tinto, escolheu um vinho de uma determinada uva e, quando a garrafa foi apresentada, descobriu que era um branco.

 

O que vocês fazem quando isso ocorre?

Agimos com naturalidade, para não constranger o cliente. No caso, como a garrafa ainda não tinha sido aberta, pedimos para ele escolher outro vinho e pronto. Dias atrás aconteceu uma coisa interessante. Um cliente disse que queria tomar um vinho da Borgonha. O maître apresentou a garrafa e o homem logo apontou a câmara do celular para o rótulo, para acionar o Vivino, aplicativo que traz informações sobre vinhos do mundo inteiro. Ao ler a resposta, o homem viu que era da uva Pinot Noir. Quando percebi a garrafa sendo trazida de volta para a adega, me aproximei da mesa e comecei a conversar. O cliente disse que havia pedido um vinho, não sabia que era Pinot Noir e que ele não gostava de Pinot Noir.

 

E o que aconteceu?

Eu não disse a ele que todos os tintos da Borgonha são feitos com Pinot Noir, e que se ele pediu um Borgonha, não poderia ser um vinho de outra uva. Fui até a adega, peguei duas ou três garrafas e fiz a ele um desafio: Você quer tomar um Pinot Noir que vai te agradar? Servi a ele então um Pinot Noir chileno, com bom extrato e corpo, parecido com os tintos que ele costumava tomar, diferente dos vinhos mais delicados do Velho Mundo. O cliente gostou tanto que, à noite, voltou ao restaurante e pediu o mesmo vinho.

 

A propósito, por que a DiBacco não tem mais sommelier?

Há quatro anos não temos mais sommelier. Eu optei por servir o melhor vinho ao cliente, ao melhor preço, sem acrescentar o custo de um profissional especializado no serviço do vinho. Preferi repassar este benefício ao cliente, no valor do vinho. Temos pessoas com formação em vinho na casa, mas elas exercem mais de uma função. Com as dificuldades que enfrentamos nos últimos dois anos, provocadas pela crise econômica do país, ficou inviável ter uma pessoa só para cuidar do vinho. Mas não abrimos mão de dar o melhor tratamento ao produto. Por exemplo, só trabalhamos com taças Riedel, o que faz uma enorme diferença.

 

Mas o sommelier não ajuda a orientar melhor o cliente?

Eu tenho sérias restrições à formação que foi dada às primeiras gerações de sommeliers por aqui. Acabaram deixando o vinho de forma elitista, o que foi ruim para o consumo de modo geral. Muitos tratavam os clientes com soberba, porque as pessoas conhecem pouco de vinho. Isso não ajuda em nada.

 

O que fazer quando o cliente pede um vinho que notadamente não vai combinar com o prato pedido?

Absolutamente nada e essa é outra crítica que eu faço ao pessoal do setor de vinho. Essa coisa de querer harmonizar tudo acaba afastando o consumidor do vinho. Eu prefiro que as pessoas tenham primeiro um contato com a bebida e que, naturalmente, com o tempo elas venham a perceber todas as sensações possíveis com a comida. No mais, a pessoa tem que tomar o vinho de que ela gosta e da forma que mais lhe agrade. Quer tomar vinho com soda? Com gelo? Pois não, aqui está. O importante é as pessoas estarem tomando vinho, seja puro, seja em uma sangria. É preciso desmistificar o vinho para atrair mais consumidores. Aliás, é esse o espírito do movimento Pro-Vinho, lançado recentemente, e que une produtores, importadores, supermercados, restaurantes e comunicadores para tentar aumentar o consumo de vinho no Brasil.

 

No quadro atual, qual o espaço ocupado pelo vinho brasileiro?

É pena, mas o vinho nacional vende pouco. Um dos problemas é o preço. Além da carga de impostos, a negociação com os produtores nacionais também é complicada. A gente não consegue manter uma regularidade de regras, o que às vezes inviabiliza as compras. Por isso fiquei um tempo sem ter tintos e brancos nacionais na carta. Voltei há dois anos, até por insistência de clientes de outros países, e desde então os rótulos locais estão sempre presentes.

 

E os espumantes brasileiros?

São a exceção que confirma a regra. Eles têm boa qualidade e fazem frente aos importados. Nessa área, a quase totalidade dos espumantes vendidos nos nossos restaurantes é nacional. Já nos tintos a coisa vai muito lenta. Por outro lado, é certo que o brasileiro tem algum tipo de preconceito com o vinho nacional e é preciso fazer um trabalho de médio e longo prazo para mudar isso. Nossos tintos e brancos melhoraram muito nos últimos anos e acho que a mesma explosão que ocorreu com a carne vai acontecer também com o vinho brasileiro.

 

Por fim, como vê o futuro da parceria comida e vinho?

Vejo que vai ser bom. O benefício da parceria entre comida e vinho é indescritível, não importa se a pessoa saiba ou não escolher as melhores combinações. Noto que o consumidor está começando a se interessar em aprender e este é um caminho que não tem mais volta. Hoje, com a Internet, há farto material com informações digitais. Nas redes sociais está todo mundo falando de vinho, postando vinho. O vinho se tornou cool. A pessoa sai pra jantar e posta foto do prato e do vinho. Todo mundo gosta de ver pessoas felizes e nada melhor do que um vinho para isso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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