Icono, o tinto top de Luigi Bosca, envelhece bem e ganha com a idade
Menos concentração e madeira, mais fruta, equilíbrio e frescor. Desde as últimas safras a vinícola argentina Luigi Bosca vem promovendo algumas mudanças em seu tinto top, o Icono, que se consolida como um dos melhores vinhos do país. Na semana passada, Alberto Arizu, um dos dirigentes da empresa, esteve em São Paulo para comandar, com o enólogo Pablo Cúneo, uma degustação vertical de seis edições do Icono. Além da elevada qualidade, uma constatação: o tinto envelhece bem e melhora com o passar dos anos.
Na prova, organizada pela importadora Decanter, de Adolar e Edson Hermann, foram avaliadas as safras de 2006, 2008, 2010, 2011, 2015 e 2017. Não por coincidência, a de 2006 – a segunda a ser produzida, pois o rótulo chegou ao mercado em 2005 – foi considerada uma das melhores da noite, junto com as duas versões mais recentes.
Alberto Arizu, que tem o mesmo nome do pai, também preside, pela segunda vez, a Wines of Argentina, a entidade que reúne as vinícolas do país. Sua família é um dos principais nomes do vinho entre nossos vizinhos. A centenária Luigi Bosca foi fundada em 1901 por seu bisavô, Don Leoncio Arizu, que imigrou da Espanha e se estabeleceu em Mendoza. Começou a produzir vinhos na área de Luján de Cuyo, em parceria com os vizinhos Bosca, que tinham vindo da Itália – daí o nome inicial da casa.
Hoje a empresa se chama Luigi Bosca – Familia Arizu. É uma das poucas empresas vitícolas argentinas com mais de 100 anos nas mãos da mesma família, agora em sua quarta geração. O comando é dividido por Alberto Arizu pai, seus irmãos e os filhos. Alberto pai, sua mulher, Alicia, e os filhos Alberto, Gustavo e Rodrigo são donos sozinhos de uma outra vinícola, a pequena Viña Alicia.
No final de 2018, a Luigi Bosca recebeu um aporte de capital do grupo internacional L Catterton Latin America, interessado em participar da expansão das exportações da vinícola. No comando de seis fundos financeiros, e capital social de US$ 15 bilhões, L Catterton Latin America integra a maior empresa global de capital privado dedicada ao setor de consumo. Tem foco em produtos de luxo, pois é uma associação entre Catterton e a LVMH do mega empresário francês Bernard Arnault.
As fincas
A bodega Luigi Bosca teve papel importante na modernização da vinicultura argentina, desde os anos 1990. A empresa possui 700 hectares de vinhedos, em sete propriedades nas zonas mais importantes de Mendoza. São três em Luján de Cuyo – Los Nobles, La Linda e La España; duas em Maipú – El Paraiso e Don Leoncio; e duas no Vale de Uco, mais ao sul da província – Los Miradores, no distrito de Tunuyan, e Miralejos, em Altamira, distrito de San Carlos.
As variedades ali plantadas foram trazidas da Europa na última década do século XIX. As videiras de hoje são o resultado da seleção do melhor daqueles antigos vinhedos familiares, depois de um lento processo de aclimatação às duras condições desta região, que é quase um deserto. Alberto pai, engenheiro agrônomo, é um apaixonado pelo campo e tem feito estudos meticulosos sobre as plantas que fazem a diferença em seus nos tintos e brancos.
Além dos vinhedos próprios, a família Arizu controla também outro tanto de vinhas de agricultores parceiros. Produz cerca de 6,8 milhões de garrafas de vinho por ano. Vende 40% no mercado interno e o restante em mais de 60 países, sendo os Estados Unidos, Brasil e Canadá seus maiores compradores. Aqui, a ligação com a Decanter já dura duas décadas. Ao iniciar a empresa, em 1998, as primeiras caixas que Adolar Hermann importou foram de Luigi Bosca. Na época, o consumidor brasileiro não sabia nada sobre vinhos argentinos.
Experiência em Malbec
Uma das fincas mais interessantes da família Arizu é Los Nobles, justamente a mais velha, com mais de 90 anos, pois foi implantada em 1927. Com 50 hectares, fica no distrito de Las Compuertas, na zona alta de Luján de Cuyo, a 1.050 m acima do nível do mar. Tem manejo orgânico e biodinâmico. Por ser muito antigo, o vinhedo é naturalmente equilibrado, com baixos rendimentos, cerca de 5 mil kg por hectare, ou 1 kg por planta.
O projeto Icono foi idealizado ali, em 2000, sendo lançada a primeira edição cinco anos depois. Vinham com exclusividade de dois talhões especiais desta propriedade as uvas que entravam na composição do tinto top da casa. Da Parcela 41 saía a Malbec e, da 51, a Cabernet Sauvignon. Desde 2015 a elas foram incorporadas também uvas provenientes dos vinhedos de altitude do Vale de Uco (1.150 m), para dar mais frescor ao vinho.
A propósito, a família tem muita experiência no trato da Malbec. Seus vinhedos antigos contêm diferentes composições desta variedade, o que permite apresentar uma boa coleção de tintos. A uva entra com pouco mais da metade do blend do Icono, junto com a Cabernet Sauvignon.
Mas Alberto Arizu, filho, lembra que há uns 30 anos os vinhedos de Malbec quase foram devastados na Argentina, pois os produtores não acreditavam em seu potencial. Na década de 1990, de 40 mil hectares existentes, a área ocupada caiu para 10 mil ha, sendo suplantada pela Cabernet Sauvignon. A Malbec só se recuperou há alguns anos, tornando-se a casta emblemática do país, com cerca de 35 mil hectares plantados atualmente.
Mudanças no Icono
Além de agregar uvas fora de Luján de Cuyo, o Icono sofreu outras mudanças em anos recentes. Segundo o enólogo Pablo Cúneo, na casa desde 2017, houve redução no tempo de barricas e maior envelhecimento em garrafa, sempre em busca de vinhos mais elegantes.
Pela receita anterior, Malbec e Cabernet Sauvignon começam a fermentar, em separado, em tanques de inox e terminam a vinificação em barricas novas de carvalho francês, onde repousam por 12 a 14 meses, parte em contato com as borras, para ganhar corpo e complexidade. Ao final desse período são feitos três cortes diferentes, que vão para outras barricas novas de carvalho francês, estagiando por mais 6 a 10 meses. Após várias provas, o melhor blend é engarrafado como Icono.
Desde 2015, a etapa inicial continua a mesma. Mas em vez de ressaltar a potência, o objetivo é valorizar as nuances e o equilíbrio. Assim, agora não há mais o segundo período de amadurecimento na madeira. Depois da seleção do corte, o vinho vai direto para a garrafa, onde envelhece por mais tempo.
De qualquer forma, as duas uvas que entram na mistura se completam. Pablo Cúneo explica que a Malbec aporta frutos vermelhos, notas florais e taninos suaves, doces, enquanto a Cabernet Sauvignon agrega estrutura, frutas negras, notas herbáceas e aromas de especiarias.
Os vinhos
Na degustação feita na semana passada foram servidos outros bons vinhos da Luigi Bosca, como o branco Gala 3 Chardonnay/Viognier/Riesling 2015 e os tintos Gala 2 2015 e o Luigi Bosca Malbec DOC 2015. Mas o ponto alto foi mesmo a vertical de Icono, com seis safras diferentes, lembrando que esse tipo de prova ajuda a avaliar como um vinho evolui ao longo do tempo.
As três primeiras, 2006, 2008 e 2010, já se esgotaram na Decanter. As duas últimas, 2015 e 2017, ainda não chegaram. Atualmente, o catálogo da importadora tem à disposição o Icono 2011 – ao preço de R$ 886 a garrafa. É um vinho caro, pois tem grande qualidade e dele são produzidas apenas 5 mil garrafas por ano, em média.
Icono 2006
Luigi Bosca – Mendoza – Argentina – Decanter – Nota 94
O mais antigo e um dos melhores do painel, mostra que o Icono resiste bem ao tempo e melhora com a idade. O enólogo Pablo Cúneo informou que o ano foi bom, com temperaturas equilibradas, como o de 2002. Tem aromas agradáveis, lembrando ameixa, cereja e figo, em meio a notas de tabaco e especiarias. Concentrado, refinado e elegante, com bom frescor. Ainda muito vivo e delicioso na boca (14,5%).
Icono 2008
Luigi Bosca – Mendoza – Argentina – Decanter – Nota 92
Ano mais quente, com rendimentos mais baixos nos vinhos. Um vinho também mais fácil de beber. Nos aromas traz cereja e balsâmicos. Na boca é gordo, com bastante fruta. Mais direto, sem tantas nuances como o 2006, é concentrado, com taninos maduros, boa acidez e frescor (14,5%).
Icono 2010
Luigi Bosca – Mendoza – Argentina – Decanter – Nota 93
Um tinto no mínimo curioso, de um ano frio. De início parecia discreto nos aromas, austero e até algo duro na boca. Mas depois de um tempo na taça foi-se abrindo e deixando entrever outras qualidades. Apareceram notas florais, herbáceas e minerais, envolvendo gostosa fruta vermelha. Na boca mostrou-se suculento, gordo, com bom frescor, crescendo com o tempo (14,3%).
Icono 2011
Luigi Bosca – Mendoza – Argentina – Decanter – R$ 886 – Nota 92
Ano moderado, com dias nublados depois de março, o que reduz a incidência da luz solar sobre os cachos. A Malbec, colhida antes, amadureceu melhor que a Cabernet Sauvignon, vindo desta algumas notas herbáceas. Nos aromas recorda cereja, ameixa e figo seco, com algo floral, de especiarias e um toque mineral. Encorpado, com taninos maduros e boa acidez, oferece estrutura para guarda (14,5%).
Icono 2015
Luigi Bosca – Mendoza – Argentina – Decanter – Nota 93
Ano frio, mais chuvoso que o normal em Mendoza, exigiu mais trabalho da equipe. Para reforçar o frescor, às uvas de Luján de Cuyo se juntaram Malbec de Altamira e Cabernet Sauvignon de Tunuyan, no vale de Uco. Um vinho jovial, menos concentrado, equilibrado. Traz ao nariz notas florais e muita fruta, como cereja. Bom corpo, taninos maduros, macios, elegante. Gostoso para tomar já, mas deve evoluir bem (14,5%).
Icono 2017
Luigi Bosca – Mendoza – Argentina – Decanter – Nota 94
Ano fresco, com algumas geadas tardias na primavera e rendimentos naturalmente mais baixos, sem prejudicar a qualidade. Tem muita fruta e concentração. Lembra groselha, cereja e cassis, envolvendo toques florais. Os taninos são maduros. É o mais potente do painel, sem perder a elegância, e o que mostra maior potencial para evoluir com a guarda (14,5%).
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