Alentejo quer mostrar que seus vinhos têm equilíbrio entre potência e elegância

by José Maria Santana | 24/09/2019 16:16

Alguns vinhos são potentes, outros, marcados pela elegância e há aqueles que conseguem equilibrar as duas características. O Alentejo, a grande região que ocupa quase todo o sul de Portugal, quer mostrar sua versatilidade e que oferece vinhos com todos esses estilos. Esse foi um dos temas da feira organizada no sábado passado (21) em São Paulo pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), organismo que certifica e promove os vinhos da região.

O especialista Alexandre Lalas e o sommelier Jean Stelmach comandaram uma prova especial – “Elegância versus Potência – Os dois lados do Alentejo” –, apresentando sete tintos para exemplificar de modo didático as características das sub-regiões alentejanas. Jean Stelmach, gaúcho radicado em São Paulo, trabalha para a importadora Zahil e venceu o Concurso “O Melhor Sommelier Vinhos do Alentejo no Brasil 2019”.

Na prova, Alexandre Lalas lembrou que elegante é o vinho sem excessos, que apresenta equilíbrio entre corpo, taninos macios e acidez. Já potente é aquele que mostra corpo robusto, volume impactante, taninos ou acidez marcados. Mas há ainda exemplares que oferecem força, com harmonia entre seus componentes – o que geralmente se chama equilíbrio por cima.

De modo geral, Portugal investe bastante no Brasil para divulgar seus rótulos, o que ajudou a se tornar o segundo maior fornecedor de vinhos importados para nosso país. Perde apenas para o Chile, tendo recentemente desbancado a Argentina. O Alentejo se destaca nesse trabalho, pois atribui grande importância ao mercado brasileiro, que absorve 17,9% das exportações da região, com faturamento superior a 11 milhões de euros no ano passado. Nos últimos dias, além de São Paulo a CVRA realizou eventos no Rio de Janeiro, Vitória e Brasília.

 

As 8 sub-regiões

Vinhedos da Casa Relvas, na zona de Redondo

O Alentejo, maior região geográfica de Portugal, ocupa um terço do território do país. É terra de planícies extensas, marcadas aqui e ali por bosques de sobreiros, campos de cereais e vinhas extensas. O clima é quente, abrasador, e a paisagem, marcada por vilarejos pitorescos, onde as casas são caiadas de branco para proteger do sol. Évora, sua bela capital, é tombada pela Unesco e considerada Patrimônio Histórico da Humanidade.

Os vinhos alentejanos foram dos primeiros a receber reconhecimento internacional pela qualidade, depois da renovação da vitivinicultura lusa proporcionada pela entrada do país na Comunidade Econômica Europeia, no final dos anos 1980. Ganharam a fama de macios, frutados, fáceis de beber.

Mas a generalidade esconde o verdadeiro mosaico formado pelas distintas zonas em que o Alentejo se divide e que dão vinhos com características diferentes e personalidade própria. São oito as sub-regiões, aqui indicadas pela localização, de cima para baixo: Portalegre, Borba, Redondo, Évora, Reguengos, Granja-Amareleja, Moura e Vidigueira.

Alexandre Lalas ressaltou que as sub-regiões, por sua posição geográfica e características, podem ser divididas em três grupos, com vinhos distintos. Portalegre, Borba e Vidigueira proporcionam vinhos elegantes; em Reguengos, Granja-Amareleja e Moura predomina a potência; já Évora e Redondo ficam no meio termo. Claro que essa divisão é didática e nas mãos de bons produtores se encontram rótulos de qualidade, não importa a zona em que se localizem.

 

Potência x Elegância

Quinta do Zambujeiro, Borba

De qualquer forma, é interessante entender as razões apontadas pelo especialista para agrupar as sub-regiões. Segundo Lalas, Portalegre, terra de vinhos elegantes, tem vinhas nas encostas, protegidas pelas montanhas da Serra de São Mamede, que muitas vezes ultrapassam os mil metros de altitude. Por isso o clima é mais fresco e úmido que o das planícies abertas do sul da província. Os solos graníticos não retêm o calor, não forçam a sobrematuração das uvas. Em Portalegre há ainda muitas vinhas velhas, naturalmente equilibradas pelo tempo.

Borba, a segunda maior sub-região do Alentejo, por sua localização tem menor insolação, menos horas de sol por ano. As matas ali existentes favorecem a maior umidade e o índice de chuvas é maior que em outros locais. Junte-se a isso a presença de depósitos colossais de mármore no solo, material mais frio até que o granito. Nestas condições, a uva amadurece lenta e plenamente.

Já a Vidigueira, sub-região alentejana situada a sul, tem clima suave. Está mais perto do mar e recebe a umidade trazida pelos ventos frios do Atlântico Norte. Os solos são heterogêneos e com muitas variáveis, não definindo o caráter dos vinhos quanto o clima.

No lado oposto, há as três sub-regiões de clima quente, de onde se esperam sempre vinhos com mais álcool e potência. Reguengos é a mais importante delas e a maior das sub-regiões do Alentejo. Seu clima é continental, com verões extremamente quentes. Área de planícies abertas, recebe os ventos quentes vindos da Espanha. Tem solos pedregosos e com grandes afloramentos de xisto, rocha que absorve calor durante o dia e o transmite à videira à noite.

Monte da Capela, em Moura, junto ao Guadiana

Granja-Amareleja e Moura, por sua vez, situadas na fronteira com a Espanha, apresentam clima considerado entre os mais áridos e inclementes de Portugal. A primeira tem solos assentados em barro e xisto. Moura, um pouco menos árida, também recebe os ventos quentes espanhóis. Tem verões tórridos e secos e possui solos com barro e calcário.

Sem tantos extremos, Évora tem clima quente, com solos mediterrâneos, de composição granítica. Na sub-região de Redondo, por sua vez, a Serra d’Ossa influencia o clima e tempera os verões ensolarados. As vinhas ocupam solos graníticos e de derivados de xisto.

 

Os vinhos

Um diferencial do Alentejo é a predominância das uvas nativas. Entre as tintas, destaque para Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet (casta de origem francesa, tão bem adaptada que se tornou patrimônio alentejano), Castelão, Alfrocheiro e, mais recentemente, Touriga Nacional. Na ala branca brilham Antão Vaz, Arinto e Roupeiro.

Na prova organizada pela CVRA em São Paulo as estrelas foram as uvas tintas, integrantes dos sete vinhos apresentados. Entre os candidatos no quesito elegância: Courela 2018, da vinícola Cortes de Cima, da Vidigueira (importadora Adega Alentejana); Art.Terra Amphora 2017, da Herdade de São Miguel/Casa Relvas, do Redondo (Cantu); e Monte do Zambujeiro 2015, de Borba (Casa Flora/Porto a Porto).

No grupo vindo de sub-regiões tradicionalmente produtoras de tintos potentes: Bom Juiz Reserva 2016, da Cooperativa Agrícola Reguengos de Monsaraz, com  15,5% de álcool p.v. (Casa Flora/Porto a Porto); Ripanço 2017, da casa José de Souza, hoje pertencente à empresa José Maria da Fonseca, vinho também da zona de Reguengos (importadora Decanter); e Esporão Colheita 2017, outro exemplar de Reguengos. Por último, um vinho provocativo, o Monte da Capela Reserva (importadora Seguso e Irmãos).Vem de Pias, ao sul, perto da acalorada Moura. Potência ou elegância?, era a dúvida inicial.

 

Art.Terra Amphora 2017

Casa Relvas – Alentejo – Portugal – Cantu – R$ 240 – Nota 92

A Casa Agrícola Alexandre Relvas é um empreendimento familiar iniciado em 1997 em São Miguel de Machede, sub-região de Redondo. As primeiras vinhas foram plantadas na Herdade de São Miguel. Hoje o grupo fundado por Alexandre Relvas reúne 10 projetos diferentes, entre eles a gama Art.Terra, que busca a melhor expressão do terroir. O tinto Amphora é desta linha e nasce junto à Serra d’Ossa. O produtor optou por classificar como Vinho Regional Alentejano, para ter mais liberdade na vinificação. Produzido com Aragonês, Moreto e Trincadeira, é fermentado com leveduras indígenas em talhas de barro, uma tradição no Alentejo – daí a referência no rótulo. Permanece em repouso com as borras por 3 meses. Delicado, com pouca extração, lembra nos aromas cereja e amora, em meio a notas florais, herbáceas e de alcaçuz. Na boca mostra acidez viva, com um final longo. Um tinto muito elegante, fácil de beber. Ao final nota-se um toque de resina proveniente da talha (13,5%).

 

Esporão Colheita Tinto 2017

Herdade do Esporão – Alentejo – Portugal – Qualimpor – R$ 128 – Nota 91

Tinto robusto, mas equilibrado, nascido em uma das vinícolas mais impactantes do Alentejo. A Herdade do Esporão, localizada na sub-região de Reguengos de Monsaraz, possui área de 1.830 hectares de terras, sendo 702 ha. de vinhas, olivais e outras culturas, tudo com manejo biológico. A propriedade pertencia aos condes de Alcáçovas e foi comprada pelo em 1973 pelo empresário José Roquette. Sua equipe técnica, chefiada pelo experiente enólogo australiano David Baverstock, oferece sempre tintos e brancos de nível elevado. O Esporão Colheita Tinto, orgânico, faz parte da nova proposta da casa de produzir vinhos de maneira mais natural, com delicadeza e menos extração. Lote de Touriga Franca e Cabernet Sauvignon, começa a fermentação em lagares, com pisa a pé, terminando em tulipas de concreto, onde depois repousa por seis meses. Traz ao nariz notas de eucalipto, ameixa e mirtilo. Na boca é encorpado, potente, com taninos firmes, maduros. Um vinho musculoso, elegante, com bom frescor final (13,5%).

 

Monte do Zambujeiro 2015

Quinta do Zambujeiro – Alentejo – Portugal – Casa Flora/Porto a Porto – R$ 156,50 – Nota 91

A Quinta do Zambujeiro, situada na sub-região de Borba, ao norte da Serra D’Ossa, foi comprada em 1998 pelo empresário suíço Emil Strickler, apaixonado por vinhos, que desde o início teve por objetivo oferecer apenas tintos e brancos de qualidade superior. Nos últimos anos, passou a direcionar o manejo agrícola para as práticas biológicas. Não utiliza agrotóxicos e protege os solos com culturas naturais durante o inverno. Hoje a vinícola cultiva 40 hectares de vinhedos, sendo 22 ha. próprios e 18 ha. sob contrato, produzindo cerca de 110 mil garrafas por safra. A equipe, chefiada pelo engenheiro agrônomo Nuno Malta, conta com a consultoria do winemaker suíço Alain Bramaz. Seus vinhos são alentejanos, com frescor. No tinto da gama inicial mescla 35% Aragonez, 20% Touriga Nacional, 20% Alicante Bouschet, 9% Tinta Caiada, 9% Petit Verdot e 7% Trincadeira, com estágio de 12 meses em carvalho francês usado. Apresenta nos aromas cereja madura, tabaco e ervas, com um toque floral. Tem corpo médio, com estrutura, taninos firmes, macios, frutas em camadas. Um tinto redondo e elegante, que mostram bem o estilo da casa, que atinge seu auge com o tinto top Zambujeiro (14%).

 

Monte da Capela Reserva 2011

Monte da Capela – Alentejo – Portugal – Seguso e Irmãos – R$ 129,90 – Nota 92

O Monte da Capela está localizado em Pias, concelho de Serpa, na sub-região de Moura, que tem clima continental de extremos, pouca chuva e insolação elevada. É o chamado Baixo Alentejo interior, na margem esquerda do rio Guadiana, junto à fronteira com Espanha. Normalmente é terra de vinhos alcoólicos e potentes, mas o Reserva, se tem força, mostra também bastante equilíbrio. Certamente o resultado reflete a experiência dos donos, o casal Carlos e Clara Roque do Vale. Carlos presidiu a Adega Cooperativa do Redondo e Clara, engenheira agrônoma, foi durante 12 anos presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA). Depois eles criaram, com a filha e enóloga Joana Roque do Vale, a vinícola Roquevale, uma das mais importantes da zona de Redondo. Há alguns anos o casal vendeu sua participação nesta última e iniciou o novo projeto em Pias, com um sócio, o empresário Edgar Azevedo. Monte da Capela tem 50 hectares de vinha, plantados em solos calcários, pouco férteis, e em encostas de declives acentuados. Seus vinhos são fortes e concentrados. O tinto, lote de Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet, estagiou por 12 meses em barricas novas de carvalho francês e americano e foi amaciado pela idade. Traz ao nariz notas de café, especiarias e ameixa. A carga de taninos é grande, de qualidade. Ainda mantém fruta, frescor e elegância (14%).

 

 

 

 

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