Importadora Novo Chile traz vinhos de vinícolas pequenas e muito especiais

by José Maria Santana | 24/11/2020 10:35

Os vinhos da importadora Novo Chile

Produzir vinho de qualidade não é fácil. Para uma pequena vinícola, vender as garrafas pode ser ainda mais difícil. O engenheiro gaúcho David Giacomini aceitou o duplo desafio. Ele criou no vale de Casablanca, no Chile, a vinícola La Recova. Para vender os vinhos no Brasil, montou a importadora Novo Chile, que também representa sete outros pequenos e notáveis produtores chilenos.

Para divulgar os produtos de seus representados, em tempos de pandemia, David organizou dias atrás duas lives com jornalistas especializados, em que os convidados receberam as garrafas em casa e puderam participar da degustação em conjunto. Brasil Vinhos participou de uma delas, com tintos das excelentes casas Laura Hartwig e Trapi del Bueno.

Produtores ligados ao projeto

Além das três mencionadas, a empresa de Giacomini distribui aqui também os rótulos das vinícolas chilenas Alchemy, Bo Wines, Erasmo, OWM e Villalobos Viñedo Silvestre. Por coincidência, todas integram o Movi, o Movimento de Vinhateiros Independentes do Chile. A carteira é selecionada e escolhida com rigor. Aqui, os vinhos trazidos pela Novo Chile podem ser encontrados no e-commerce DaGirafa.

Segundo Giacomini, a importadora surgiu em 2016 e é um projeto colaborativo que reúne pequenos produtores de destaque atualmente em seu país, vinícolas que produzem vinhos de grande qualidade, em escala humana. São os mesmos princípios do Movi, que aceita apenas empresas com algo de revolucionário e nas quais os donos se envolvem diretamente no processo.

 

La Recova

Natural de Porto Alegre (RS) e descendente de italianos, David Giacomini foi morar no lugarejo Quebrada del Pulgar, setor de Las Dichas, área fria a 11 km do Oceano Pacífico, no vale de Casablanca. Apaixonado por vinhos, aos poucos o fato de estar no meio de uma das regiões vinícolas mais promissoras do Chile despertou nele a ideia de ter sua própria vinícola.

La Recova, no vale de Casablanca

David conta que começou a estudar, fez alguns cursos no Brasil e na Califórnia e em 2005 passou de enófilo a enólogo autodidata. Plantou seu primeiro vinhedo, de 4 hectares, com Sauvignon Blanc, casta que se dá bem em zonas frias. Foi uma decisão acertada. Ele lembra que hoje a Sauvignon Blanc é a segunda uva mais produzida no Chile, ficando atrás apenas da Cabernet Sauvignon, com 11,2% de toda a área de vitis vinifera no país. Trabalhada por enólogos respeitados, dá alguns dos melhores brancos chilenos atualmente.

David Giacomini não queria produzir um Sauvignon Blanc convencional, daqueles apenas frutados, com aromas fáceis de maracujá e grama cortada. A diferença começou no plantio das mudas. Por puro feeling, e contrariando as práticas tradicionais dos viticultores chilenos, resolveu implantar um vinhedo de alta densidade, de trato orgânico e com 9,8 mil plantas por hectare (quase o triplo da média no país). Ele sabia que era feito assim em Bordeaux e na Borgonha e decidiu apostar.

As videiras estão em encostas de alta inclinação e com exposição leste, protegidas da incidência solar vespertina. Recebem ainda a chamada ‘vaguada costera’, uma neblina matinal oriunda do Pacífico e que protege os vinhedos dos primeiros raios solares da manhã. A oferta de água é controlada e, quando necessário, liberada por irrigação.

David Giacomini: enólogo autodidata

Nesse terroir quase extremo, a vinha levou 5 anos para produzir sua primeira safra, que acabou vendida para a conhecida vinícola Viu Manent. Naquele ano, as uvas comercializadas entraram no blend do branco da linha Viu Manent Secreto, que recebeu destaque no Guia Descorchados 2011 como Melhor Vinho da casa, ao lado do top Viu 1. Giacomini diz que teve certeza então de que estava no caminho certo.

Em 2013 ele construiu sua cantina e já no ano seguinte passou a vinificar na própria La Recova. O primeiro vinho foi o branco Avid Sauvignon Blanc 2014, logo considerado um dos melhores do Chile. Hoje Giacomini produz também o Obstinado, um rosé meio seco de Sauvignon Blanc, colorido com cascas de Syrah; e o Orquídea Late Harvest, também com a mesma cepa.

 

Laura Hartwig

A família de Alejandro e Laura

Na degustação virtual realizada na segunda semana de novembro foi possível confirmar o nível elevado dos rótulos distribuídos pela importadora Novo Chile. Em uma das lives, David Giacomini colocou em prova os interessantes tintos Laura Hartwig Edición de Familia 2017, do vale de Colchagua, com participação de Alejandro Hartwig Bisquertt e do enólogo Renato Czischke; e o Trapi Hand Made Pinot Noir 2017, de Osorno, no extremo sul do Chile, com presença, à distância, do enólogo Rodrigo Romero, um dos sócios da empresa.

As duas vinícolas têm histórias interessantes. Laura Hartwig é um pouco mais antiga, iniciada nos anos 1970 pelo casal Laura Bisquertt e Alejandro Hartwig C. e hoje comandada por seus 3 filhos. Em 1966, Laura herdou do pai, Osvaldo Bisquertt, o campo Santa Laura, na região de Santa Cruz, no vale de Colchagua.

Ele o havia comprado em 1928 e, como era comum na época, o destinava para cultivos agrícolas e criação de gado. Nos anos seguintes, Alejandro Hartwig C. comprou terras dos vizinhos e aumentou a propriedade, mantendo a princípio os cultivos tradicionais.

Em 1971 Alejandro decidiu buscar novas oportunidade de trabalho no exterior e se mudou com a família para Montreal, no Canadá. Lá, foi por 10 anos executivo de uma multinacional farmacêutica de origem alemã. Apaixonado por vinhos, aproveitou o tempo e as múltiplas viagens para estudar e visitar vinícolas nos Estados Unidos e na Europa.

Por isso, mesmo morando no Canadá a família não deixou de lado suas terras chilenas. Em 1978 Alejandro e Laura começaram a plantar uvas na propriedade de Santa Cruz, sempre variedades bordalesas. Tinham boa qualidade e eram vendidas a grandes vinícolas. Mais tarde, anos depois da volta ao Chile, o casal resolveu usar os novos conhecimentos e produzir o próprio vinho. A vinícola Laura Hartwig foi seu projeto para a aposentadoria.

Os enólogos García e Czischke e Alejandro filho

Em 1994, a família construiu a adega e, no ano seguinte, lançou o primeiro rótulo Laura Hartwig, um Cabernet Sauvignon Reserva que logo ganhou fama. Atualmente a vinícola tem 145 hectares plantados com Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Carménère, Malbec, Syrah e Petit Verdot.

A área de Santa Cruz, próxima à Cordilheira da Costa, recebe a influência dos ventos do Pacífico, trazidos pela corrente de Humboldt. Apresenta estações bem definidas e grande amplitude térmica no período de maturação das uvas.

Laura Hartwig pratica uma viticultura sustentável e de baixo impacto ambiental, com vinhos equilibrados e vibrantes. A empresa produz até 140 mil garrafas por ano. Desde 2014 integra o Movi. Alejandro pai e Laura Bisquertt ainda são ativos, mas dão cada vez mais espaço aos 3 filhos – Alejandro Hartwig Bisquertt, o filho do meio, é o gerente geral da vinícola. O enólogo é Renato Czischke e Felipe García, da vinícola PS Garcia, o enólogo consultor.

 

Trapi del Bueno

Trapi del Bueno, em Osorno, extremo sul chileno

Na live organizada por David Giacomini, o jovem enólogo Rodrigo Romero contou que ele e o sócio, o engenheiro agrônomo Luis Moller, buscavam um terroir diferente, único, e começaram se interessar em 2000 pelo vale de Osorno, na Patagônia chilena. Romero fez vindimas na França e trabalha para duas vinícolas chilenas – é conhecido pelo bom serviço realizado para a Maquis, de Colchagua; e Moller, que nasceu e vive no sul do Chile, atua mais no campo, cuidando da vinha.

Eles achavam que poderiam produzir vinhos de qualidade no extremo sul do país, onde o clima é rigoroso e hostil, frio e chuvoso. Encontraram o que queriam na área de Los Rios. “Vimos ali uma videira selvagem, que crescia na floresta, perto do rio. Acreditamos que tenha sido plantada por espanhóis no século XVIII, mas não temos certeza”, contou Romero.

Achado o lugar, em 2009 os sócios compraram 8 hectares de terras. Não havia nada lá. Iniciaram o plantio da vinha no ano seguinte e fizeram a primeira vinificação em 2015.

Em 2016 Romero e Moller deram mais um passo para consolidar a vinícola Trapi del Bueno. Eles fizeram um acordo com o grupo Miguel Torres e passaram a entregar a ele parte das uvas que colhiam. Conseguiram assim dinheiro para desenvolver o projeto. Aos poucos, Osorno, 900 km abaixo de Santiago, se tornou a nova fronteira vinícola no sul do Chile – antes representada pelo vale de Malleco, que está a 500 km da capital.

Trapi é o nome da colina onde o vinhedo foi implantado e, na língua mapuche, quer dizer pimenta. E Bueno é como se chama o rio local. A vinha fica no lado interior (leste) da Cordilheira da Costa, que protege a região das brisas frias vindas do Pacífico. Aliás, o clima do vale é influenciado pela latitude, no extremo sul do continente, e não pela presença do oceano.

As gemas, protegidas dentro de cubos de gelo

Há excelente insolação, mas o clima é realmente de extremos. Nos meses de calor, raramente chega aos 28º C. No começo da primavera, quando se inicia a brotação dos cachos, os viticultores usam uma técnica especial para proteger os brotos, submetidos a temperaturas de até 8º C negativos. A água é pulverizada sobre a vinha, por aspersão, para que se forme um cubo de gelo ao redor dos sarmentos. Dentro dos cubos, as gemas não sofrem maiores danos.

Pelas características do terroir patagônico, a Trapi del Bueno explora as variedades que se dão bem em climas frios, como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Riesling e Pinot Noir. O cultivo das uvas é orgânico. Os solos vulcânicos, bem drenados, apresentam manchas de argila e elevado teor de ferro, que resulta em mineralidade distinta nos vinhos.

As famílias de Romero e Moller se envolvem em todas as tarefas da produção. É um trabalho artesanal – colheita manual, baixa intervenção na cantina, sem controle de temperatura, pisa a pé, uso de leveduras selvagens e engarrafamento dos vinhos sem filtração. Desde 2018 a Trapi del Bueno integra o Movi, o Movimento dos Vinhateiros Independentes do Chile.

 

Os vinhos

Laura Hartwig Edición de Familia 2017

Laura Hartwig – Vale de Colchagua – Chile – Novo Chile/Dagirafa – R$ 243 – Nota 93

A safra de 2017 começou mais quente que o habitual, mas no período da vindima o calor voltou a níveis adequados, com temperaturas amenas. O resultado foi um tinto equilibrado, corte de 44% Cabernet Sauvignon, do vinhedo Los Nogales, plantado em 1980, 38% Malbec, 12% Petit Verdot e 6% Cabernet Franc. Amadureceu por quase 20 meses em barricas de carvalho (50% novas) e permaneceu mais um ano em garrafa, antes de chegar ao mercado. Com a estrutura da Cabernet e da Petit Verdot e a fruta da Malbec, mostra ao nariz cereja e ameixa, em meio a notas florais, de tabaco, pimenta e um toque mineral. Na boca é encorpado, tem taninos maduros, acidez vibrante, persistência e elegância final. Agradável para beber já, vai longe (14%).

 

Trapi del Bueno Hand Made Pinot Noir 2017

Trapi del Bueno – Vale de Osorno – Chile – Novo Chile/Dagirafa – R$ 250 – Nota 92

Um Pinot Noir do Novo Mundo, com a tipicidade que se espera da uva, especialmente quando plantada em climas frios, como o de Osorno, no extremo sul chileno. Foi vinificado com intervenção mínima, uso de leveduras indígenas e sem controle de temperatura. Ficou 12 meses em barricas usadas de carvalho francês e um ano em garrafa. Pitanga, frutas pequenas de bosque, carne, especiarias, eucalipto e menta aparecem nos aromas, com algo de pedra raspada, mineral. Em corpo médio, tem boa estrutura, taninos maduros, acidez elevada e grande frescor. A mineralidade permanece até o final longo e elegante (12,5%).

 

E-commerce DaGirafa – www.dagirafa.com.br.

 

 

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