Os Malbecs de Paul Hobbs em Cahors, na França

Os Malbecs de Paul Hobbs em Cahors, na França

Os vinhedos da família Vigouroux, em Cahors

O enólogo norte-americano Paul Hobbs esteve mais uma vez em São Paulo, dias atrás, para promover os vinhos que elabora em sua própria vinícola, na Califórnia, e também a linha Crocus, 100% Malbec, que produz em Cahors, no Sudoeste da França, terra de origem da casta, em parceria com Bertrand Vigourox, diretor geral da Georges Vigourox, um dos nomes de maior prestígio na região. Os vinhos Georges Vigouroux e Crocus são distribuídos no Brasil pela importadora Mistral, de Ciro Lilla.

O trabalho feito por Hobbs em Cahors é impressionante. Ele é um especialista em produzir grandes vinhos com Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Chardonnay e Malbec. A partir de seu trabalho de décadas na Argentina com esta última cepa, primeiro com o grande Nicolás Catena, e depois em sua própria vinícola, a Cobos, foi convidado em 2009 a assessorar a Georges Vigouroux. Hobbs ajudou a melhorar os tintos da casa e mais tarde se tornou sócio de Bertrand no projeto Crocus.

Bertrand (à esq.) e Hobbs: parceria na Malbec

“Os Malbec de Cahors não tinham boa reputação. Ninguém queria saber deles na França”, lembra o enólogo. “Eram tintos duros, escuros, tânicos, adstringentes”. Hobbs é doce no trato, mas de uma franqueza desconcertante. O primeiro conselho que deu ao iniciar a consultoria, foi: higiene total na adega. “As caves cheiravam mal, parecia que tinham queijo ali”, diz ele. A seguir propôs mudanças no manejo dos vinhedos e a implantação de colheita manual. Argumentou que a colheita mecânica, embora de custo mais baixo, pode provocar o esmagamento precoce das uvas e o início indesejado da fermentação.

Bertrand aceitou as inovações e em alguns anos os resultados começaram a aparecer. Os vinhos Georges Vigouroux melhoraram de qualidade e voltaram a ter o prestígio que alcançaram no passado, quando seus tintos Château de Haute-Serre eram comparados aos grandes Bordeaux. A família Vigouroux está ligada à vitivinicultura desde 1887.

 

Vinhedos de Cahors tiveram prestígio no passado

Tintos negros e robustos

Cahors fica na Gasconha, a terra de D’Artagnan, o célebre personagem de “Os três mosqueteiros”, de Alexandre Dumas. Os primeiros vinhedos foram plantados ali no século I d.C. pelas legiões romanas. Na Idade Média, com o casamento de Leonor de Aquitânia com Henrique Plantageneta, o futuro rei Henrique II da Inglaterra, seus vinhos alcançaram fama naquele país, disputando espaço com Bordeaux. Os ingleses chamavam os vinhos bordaleses de clarete, enquanto os de Cahors eram os “negrettes”, ou “vins noir”, referência à cor carregada e à intensidade de sabor.

Estas características são dadas especialmente pelo predomínio da Malbec, que em Cahors sempre resultou em tintos retintos e robustos. Ali historicamente a uva era mais conhecida por Côt e, por vezes, Auxerrois. Com o aparecimento da praga filoxera, em fins do século XIX, os vinhedos de Cahors foram praticamente abandonados. A Côt não se deu bem com a enxertia em pés americanos, medida usada em outras regiões para evitar a doença.

A Côt/Malbec, uva sensível

A especialista inglesa Jancis Robinson, em seu super didático “Guia de Castas” (original de 1996, com tradução em português lançada em 2000 por Edições Cotovia, de Lisboa), escreveu que a casta foi bastante plantada por todas as regiões da França. Teve presença importante em Bordeaux, integrante do chamado corte bordalês.

Perdeu espaço em todo o país por problemas semelhantes aos enfrentados pela Merlot. A saber, é sensível a geadas, à podridão, ao desavinho e a doenças, ressalta Jancis. Estudos recentes mostram que Côt e Merlot são aparentadas e tiveram ancestral em comum. O problema é que a Malbec tinha as restrições, sem apresentar as qualidades que definem a Merlot.

 

Vinhas em terraços

O replantio em Cahors só voltou a acontecer depois da II Guerra, com a pesquisa de clones favoráveis de Côt, e cresceu nos anos 1960. Hoje há 22 mil hectares destinados à Apelação Cahors nas duas margens do rio Lot, espalhados por grandes terraços deixados pelo rio ao longo do tempo. No 1º não se planta. As vinhas ocupam o 2º, 3º e 4º terraços e, acima, o plateau, o mais alto e valorizado.

É uma região de colinas, com diferentes tipos de solo – aluvionais, calcários, pedregosos e presença de ferro vermelho. As terras aluvionais junto ao Lot costumam dar tintos de Malbec mais leves. As vinhas com altitudes que vão de 150 m a 400 m dão origem a tintos estruturados.

Cahors apresenta clima mais seco que o de Bordeaux, de quem está próxima. Os verões são quentes e os invernos, úmidos. O índice de chuvas chega em média a 800 mm por ano. Sofre influência atlântica, mas também do Mediterrâneo e um pouco dos Pirineus, a cadeia de montanhas que naquele ponto separa França e Espanha.

 

Georges Vigouroux, um pioneiro

Inspiração argentina

A família Vigouroux é uma das responsáveis pela renovação da imagem de Cahors. Ligada ao vinho há 130 anos, seus vinhedos quase desapareceram com a filoxera. Na década de 1970 a propriedade foi recuperada por Georges Vigouroux. Atualmente, seu filho, o enólogo Bertrand-Gabriel, comanda a empresa.

Com a perda de espaço e prestígio na França, a Malbec acabou conquistando fama na Argentina, para onde foi levada em 1852 e se adaptou incrivelmente bem. Hoje nossos vizinhos têm as maiores áreas plantadas com a casta em todo o mundo e fazem sucesso internacional com seus tintos. São diferentes dos franceses, com perfil frutado e macio. Em Cahors, a Côt/Malbec dá vinhos mais austeros, com boa mineralidade e frutado menos intenso.

O sucesso dos argentinos inspirou os produtores franceses a atualizar seus tintos. Uma das iniciativas foi substituir nos rótulos o nome tradicional Côt por Malbec, mais conhecido pelos consumidores – eles até patrocinaram campanhas publicitárias nos EUA com o mote “Cahors is back, Cahors is black, Cahors is Malbec”. Mais importante foi o esforço para melhorar a qualidade dos vinhos, tendo contribuído para isso, entre outras coisas, a contratação de especialistas estrangeiros. Aí, em 2009 Paul Hobbs apareceu na história de Cahors. Ele ajudou a mostrar que, bem manejada, a Malbec francesa tem enorme potencial.

 

Do pistilo seco da crocus se faz o açafrão

Crocus  

A família Vigouroux explora 150 hectares de vinhedos na histórica região da Occitânia. Possui vários châteaux e vinícolas, em que predomina a Malbec. Suas marcas mais conhecidas são Châteaux Haute-Serre e Châteaux de Mercuès.

O projeto Crocus consolidou a presença de Hobbs na região, em sociedade com Bertrand Vigoureux. O nome faz referência à Crocus sativus, planta da família Iridaceae vinda da Ásia e hoje presente em toda a bacia do Mediterrâneo, que tem estigmas longos e filamentosos. Dos pistilos secos da crocus se produz o açafrão, utilizado na culinária de diversos países como corante natural e especiaria.

Os primeiros vinhos da Crocus a chegar ao mercado foram tintos da safra de 2011, o Crocus Prestige e o soberbo Crocus Grand Vin. Na colheita seguinte a dupla elaborou um terceiro rótulo, o Crocus L’Atelier, da gama de entrada.

Crocus L’Atelier 2012

Crocus – Cahors – França – Mistral – US$ 52.90 – Nota 89

Tinto cheio de fruta, elaborado com uvas de vinhedos plantados principalmente no 3º e 4º terraços, com manejo sustentável. Ao nariz traz nuances de cereja e ameixa, com toques florais e de canela. Tem bom corpo, é estruturado, limpo, com muito boa acidez e final longo. Mostra certa rusticidade, própria do estilo (13,5%).

 

Crocus Prestige 2011

Crocus – Cahors – França – Mistral – US$ 89.90 – Nota 91

Tinto marcado por aromas de frutas vermelhas e notas minerais. Lembra cassis e groselha, com algo de alcaçuz. Tem bom corpo, taninos firmes, mas macios, equilíbrio e elegância. As uvas vêm de três vinhas diferentes, com idade entre 14 e 40 anos. Passa 18 meses em barricas de carvalho francês, 50% novas e 50% de primeiro uso. Um vinho delicioso, com tudo bem integrado (14,5%).

 

Crocus Gran Vin 2011

Crocus – Cahors – França – Mistral – US$ 199.90 – Nota 93

Um monumento pela estrutura e elegância. Mostra o que a Malbec pode alcançar de melhor em Cahors. Nada que lembre os tintos duros do passado. Com repouso por 24 meses em barricas francesas novas, seus aromas oferecem notas de chocolate, de especiarias e minerais, como grafite, em base frutada a amora. No paladar é complexo, encantador, aveludado, macio, com ótima fruta madura, amplo, sem ser excessivo. Os taninos finos reforçam a harmonia. Belo trabalho de Paul Hobbs e Bertrand Vigouroux (15%).

 


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