Herdade de Coelheiros, no Alentejo, mais uma presença de brasileiros em Portugal

Herdade de Coelheiros, no Alentejo, mais uma presença de brasileiros em Portugal

A Herdade de Coelheiros, na Igrejinha-Arraiolos

Em apenas dois anos, desde que comprou em 2015 a histórica Herdade de Coelheiros, no Alentejo, sul de Portugal, o casal de empresários brasileiros Alberto Weisser e Gabriela Mascioli mandou arrancar dos vinhedos variedades que não mantinham o padrão esperado, eliminou rótulos, reduziu a produção de 400 mil garrafas anuais para menos de cem mil e mudou o foco da vinícola. Ao buscar só o melhor, os dois conseguiram o que queriam: recuperar a qualidade e o prestígio dos vinhos da casa, entre eles o Tapada de Coelheiros Tinto, considerado um dos melhores do Alentejo.

Alberto e Gabriela estiveram dias atrás em São Paulo, em evento organizado pela importadora Mistral, para contar o que já fizeram, mostrar os vinhos da nova fase e falar dos próximos passos. Vieram com Luís Patrão, o jovem e talentoso enólogo que agora comanda a equipe técnica da empresa. A Herdade de Coelheiros é uma propriedade de 800 hectares existente desde antes do descobrimento do Brasil, situada na aldeia de Igrejinha, concelho de Arraiolos, conhecido pelos famosos tapetes artesanais que levam o nome da cidade. Fica a 20 km de Évora, a capital do Alentejo.

É mais uma presença brasileira em Portugal. Em 2011, o empresário carioca Marcelo Lima comprou, em sociedade com o jornalista britânico Tony Smith, a Quinta da Covela, na região dos Vinhos Verdes. Em 2013, a dupla ampliou seus horizontes, incorporando no Douro a Quinta da Boa Vista, propriedade histórica, associada sempre ao nome do Barão de Forrester, inglês famoso por ter feito o primeiro mapa do país vinhateiro do Douro. Outro brasileiro, o banqueiro André Esteves, fundador do BTG Pactual, comprou em 2012 a Quinta da Romaneira, bela propriedade que tem a maior extensão de terras voltadas para o Rio Douro.

 

Troca de vida

Gabriela e Alberto, em Coelheiros

Antes de seguir, é interessante saber mais sobre o casal. Ambos nasceram em São Paulo. Alberto Weisser, 62 anos, filho de mãe alemã e pai suíço, saiu do Brasil jovem e fez carreira de sucesso nos Estados Unidos como executivo de grupos internacionais. Durante 15 anos foi CEO global da Bunge, a maior empresa de óleos e ‘commodities’ do mundo, – aqui, por exemplo, é dona das marcas alimentícias Delícia, Soya, Primor e Salada. Depois de se aposentar, em 2013, Alberto não parou. É membro do board de diretores da PepsiCo e de outras empresas e presta consultoria ao governo de Singapura.

Gabriela Mascioli é mais conhecida dos jornalistas paulistanos, pois foi dona da charmosa livraria Mille Foglie, nos Jardins, onde vendia livros importados sobre gastronomia e vinhos e organizava cursos de culinária. Ela se casou com o empresário Alberto, seu primo em segundo grau, 15 anos mais velho, e foi viver em Nova York, onde ele morava. Como conta a própria Gabriela, foi o segundo casamento de ambos.

Combinaram de sempre viajar para conhecer novos lugares e, mais tarde, terem algum projeto juntos. A compra da Herdade de Coelheiros em Portugal concretizou o sonho. Cidadãos do mundo, com dinheiro e bom gosto, poderiam ter adquirido uma propriedade em qualquer lugar do planeta. Apaixonaram-se pelo Alentejo e decidiram trocar a vida agitada de Nova York pela tranquilidade de uma pacata vila rural portuguesa, onde hoje passam a maior parte do ano.

 

A herdade

A propriedade tem 50 hectares de vinhas

Em Portugal, a primeira ideia foi investir em algum negócio de azeite. Mas era um tanto tedioso, diz Alberto. Começaram então a pensar em vinhos, de que ele e Gabriela sempre gostaram. Amigos indicaram uma quinta em Arraiolos e quando foram visitá-la, viram a Herdade de Coelheiros, que ficava em frente. “Foi paixão à primeira vista”, recordam. A propriedade, pertencente à família Silveira, não estava à venda. O casal de brasileiros mesmo assim fez uma proposta e ao final, conseguiu comprá-la.

Embora conhecida por seus vinhos, a Herdade de Coelheiros é muito mais que uma vinícola. Propriedade clássica da paisagem do Alentejo, com grande biodiversidade, Coelheiros abriga, em seus 800 hectares de terras, 50 ha de vinhas, 40 ha de pomar de nogueiras, um olival, uma represa e 600 ha de montado de sobreiros, de onde se extrai a cortiça. Em meio a estas árvores pastam livremente 700 ovelhas. No terreno, antiga tapada, área de caça murada, existem também veados, gamos, coelhos, lebres e patos em estado selvagem.

Curiosamente, os coelhos, que deram nome à herdade, abundantes no passado – eram criados para depois serem soltos na propriedade para caça – , foram abatidos por causa de uma grave febre hemorrágica que os atingiu. A criação já não existe.

A primeira menção histórica à Herdade de Coelheiros data de 1467, quando foi oferecida como dote de casamento a Dom Ruy de Sousa e D. Branca de Vilhena. Dom Ruy foi uma figura de relevo na História lusa, conhecido como o principal negociador do Tratado de Tordesilhas de 1494, que dividiu entre os reinos de Portugal e da Espanha as terras “descobertas e a descobrir” no Novo Mundo, onde se encontrava o que viria a ser o Brasil.

Gamos pastam em meio aos sobreiros

Nos séculos seguintes a propriedade foi adquirida por diferentes famílias. Depois da Revolução do 25 de Abril de 1974, que derrubou a ditadura salazarista, suas terras foram ocupadas por populares, estimulados pela reforma agrária então implantada.

O movimento refluiu e em 1981 Joaquim e Leonilde Silveira compraram a Herdade de Coelheiros. Começou uma nova fase. O casal plantou as primeiras vinhas e o pomar de nogueiras. No vinhedo, uma inovação: castas internacionais, como Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot e Chardonnay, eram cultivadas ao lado de variedades regionais, como Trincadeira, Arinto e Roupeiro. Em 1991 foi produzido o primeiro Tapada de Coelheiros Tinto, assinado pelo respeitado enólogo António Saramago.

 

Mudanças na vinha

Alberto Weisser e Gabriela Mascioli compraram a herdade dos filhos de Joaquim e Leonilde Silveira que, depois da morte dos pais, alimentavam outros projetos de vida. Os novos donos, sempre simpáticos e cordiais no trato (a imprensa portuguesa registrou isso várias vezes), mantiveram as famílias e pessoas que trabalhavam nos diferentes setores de suas terras.

O enólogo Luís Patrão

Mas no caso dos vinhos, desde o início decidiram apostar na qualidade, eliminar o que não era o melhor e deixar apenas o que poderia proporcionar produtos com a maior categoria possível. Para tocar as mudanças, em 2016 foi contratado o enólogo Luís Patrão, 37 anos, que depois de formado fez estágios na Califórnia, na Austrália e no Chile e trabalhou mais de 10 anos na Herdade do Esporão, com David Baverstock.

A propriedade contava com uma adega funcional, em que não foi necessário mexer. As alterações aconteceram principalmente nas vinhas, com altitude média de 300 metros, divididas em sete parcelas. Depois de analisar tudo, foram arrancadas as variedades que naquele terroir não alcançavam o nível desejado, caso de Merlot e Chardonnay – embora esta última fosse a matriz de um varietal bem sucedido na casa. Já a Aragonez perdeu um pouco de espaço.

Dos 50 ha ocupados com uvas, restaram apenas 30 ha. Os demais estão sendo, ou serão, serão replantados. Das castas internacionais tintas, a Cabernet Sauvignon, cujas mudas vieram de Margaux, sub-região de Bordeaux, tem papel de destaque na herdade (é a base da receita do Tapada de Coelheiros Tinto) e deverá ganhar mais espaço. Há ainda Petit Verdot, junto com as uvas portuguesas Trincadeira, Aragonez, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Miúda e Tinto Cão. Alberto e Luís Patrão pretendem ainda reforçar a Alicante Bouschet, cepa de origem francesa que hoje só existe praticamente no Alentejo, onde dá grandes tintos. Na ala das brancas, há Arinto e Roupeiro. O lugar da Chardonnay está sendo ocupado por Antão Vaz e Verdelho, castas brancas tipicamente lusas.

Nas vinhas, conversão para manejo biológico

Outra mudança: as vinhas estão em processo de conversão para manejo biológico. É a viticultura orgânica, que proíbe o uso de produtos industriais, como agrotóxicos, fertilizantes e defensivos químicos, no trato da videira. O processo orgânico se baseia no equilíbrio entre os vinhedos e o meio ambiente, de modo a alcançar projetos economicamente sustentáveis.

Nessa área, a Herdade de Coelheiros fez um acordo com a Universidade de Évora para que os pesquisadores estudem suas vinhas e proponham maneiras naturais de combater pragas e melhorar o desenvolvimento das uvas.

Aproveitando as instalações existentes, inteiramente renovadas, e a riqueza de biodiversidade de suas terras, Alberto e Gabriela oferecem um elogiado serviço para receber visitantes. Com sua experiência anterior na área, Gabriela pensa agora organizar ‘workshops’ rápidos de gastronomia na Igrejinha e em Lisboa.

 

Os vinhos

Antes a casa entregava ao mercado 400 mil garrafas de vinho por ano, de 14 rótulos diferentes. Como parte da filosofia de buscar apenas do melhor, a produção foi reduzida a menos de 100 mil garrafas, eliminando-se linhas inteiras, como Ciranda, Branca de Almeida e Encante. O portfólio ficou limitado a três linhas: Coelheiros branco e tinto; Tapada de Coelheiros branco e tinto; e no topo, o raro Coelheiros Vinha do Taco.

A produção deverá aumentar com o tempo, até uma 200 mil garrafas por ano, depois que o replantio das vinhas estiver completo. Mas não se pensa voltar às quantidades passadas, alcançadas muitas vezes com a compra de vinhos de terceiros. No trabalho de reconstrução da imagem da vinícola, também os rótulos foram redesenhados, mantendo a trama do ponto-cruz miúdo dos tapetes de Arraiolos. Já era marca dos anteriores, mas ganharam sofisticação.

Em decisão drástica, já que a vinha de Chardonnay foi arrancada, não será mais elaborado o Coelheiros Chardonnay, aclamado pela crítica como um dos bons brancos portugueses. Na visita de Alberto e Gabriela a São Paulo provamos a derradeira edição, o Coelheiros Chardonnay 2016 – é possível imaginar que encerrar a produção foi uma decisão difícil, pois o vinho é excelente. Vamos avaliar então os vinhos da nova fase da empresa, que já começam a ter a mão de Luís Patrão.

 

Coelheiros Branco 2016

Herdade de Coelheiros – Alentejo – Portugal – Mistral – R$ 154,90 – Nota 90

É produzido com 100% Arinto, casta portuguesa marcada por excelente acidez, que se nota no vinho. Os aromas lembram erva-doce, caju e algo mineral, em fundo cítrico. Seco, mostra muito bom volume na boca, é equilibrado, longo e elegante, mantendo a nota cítrica até o final. É gostoso como aperitivo e versátil para acompanhar comida (13%).

 

Tapada de Coelheiros Branco 2016

Herdade de Coelheiros – Alentejo – Portugal – Mistral – R$ 342,50 – Nota 92

Um branco clássico, mais complexo, mescla de Arinto e Roupeiro de uma parcela especial do vinhedo, a Vinha da Sobreira. Depois da fermentação em tanques de inox estagiou por oito meses em barricas de carvalho de 500 litros, com bâtonnage. Fruta e madeira estão bem integradas no nariz, onde aparecem notas minerais, toques de manga e cítricos. Na boca se sente que é mais estruturado, volumoso, com muita elegância (13,5%).

 

Coelheiros Tinto 2015

Herdade de Coelheiros – Alentejo – Portugal – Mistral – R$ 154,90 – Nota 90

Junto com o branco, abre com classe o portfólio da casa. É feito com Aragonez e Alicante Bouschet, em proporções iguais, provenientes das vinhas do Taco e da Sobreira. Fermentado com leveduras indígenas, repousa por 12 meses em barricas usadas de carvalho. O resultado é um tinto vigoroso e sedutor, com boa fruta, a ameixa e cereja, em meio a notas de tabaco, hortelã e eucalipto. Tem bom corpo, taninos firmes, maduros, um vinho com alguma austeridade, sem perder o frescor (14%).

 

Tapada de Coelheiros Tinto 2013

Herdade de Coelheiros – Alentejo – Portugal – Mistral – R$ 342,50 – Nota 93

Quando Alberto Weisser e Gabriela Mascioli compraram a Herdade de Coelheiros, em setembro de 2015, os lotes que compõem o Tapada já estavam nas caves. O que fizeram foi cuidar o melhor possível, para que ele voltasse ao prestígio do passado, quando foi tido como um dos melhores vinhos de Portugal. Na versão 2013 deste tinto elegante e cheio de presença, foi mantido o predomínio da Cabernet Sauvignon (70%), com uvas originárias da Vinha Leonilde, plantada em 1982, sem rega, em solo granítico. A Alicante Bouschet completa integralmente o lote (30%). Mostra riqueza de aromas, que recordam tabaco, bacon e especiarias, junto com amora e figo. Na boca é macio, untuoso, tem estrutura e fineza, com boa acidez e grande persistência. Sem dúvida, um grande vinho (14,5%).

 

Coelheiros Vinha do Taco 2010

Herdade de Coelheiros – Alentejo – Portugal – Mistral – R$ 411,40 – Nota 93

Tinto de muita classe, 100% Petit Verdot, casta francesa de trato difícil, normalmente utilizada em cortes, mas que, se atinge a plena maturação, pode proporcionar vinhos espetaculares. Por isso, o Vinha do Taco só é produzido em anos especiais, em que a uva chega a condições ideais. A Vinha do Taco é uma parcela privilegiada do vinhedo, com apenas 1 hectare, plantada em 2001. Aqui temos um tinto encorpado, equilibrado e muito fino, que estagiou por 18 meses no carvalho francês. Nos aromas remete a ameixa e amora, especiarias, tabaco, com algum vegetal e notas terrosas. Na boca é untuoso, macio e bastante persistente. Um vinho muito interessante, do qual foram produzidas apenas 3.625 garrafas. O nome é curioso. O taco mencionado no rótulo é uma refeição leve que os caçadores fazem no meio da manhã ou da tarde. Na herdade existia uma casinha no topo da encosta onde se encontra a vinha da qual vem o Petit Verdot utilizado neste vinho. E ela era o local onde os caçadores paravam para descansar e comer, daí o nome.


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