Pequenos produtores do vale chileno de Colchagua apresentam seus grandes vinhos

Pequenos produtores do vale chileno de Colchagua apresentam seus grandes vinhos

Colchagua: pequenos produtores especiais

O Chile tem realmente coisas surpreendentes quando o assunto é vinho. Na semana passada, em São Paulo, dez pequenos produtores da Colchagua Singular, uma nova associação de vitivinicultores, promoveram pela primeira vez seus vinhos em conjunto no Brasil. Em uma tarde memorável, apresentaram tintos e brancos diferenciados, com histórias inacreditáveis.

Martim Villalobos disse que sua família tem um vinhedo selvagem no vale de Colchagua – e tem mesmo, produzindo ali um Carignan maravilhoso. Raul Narvaez mostrou vinhos biodinâmicos com uvas de dois vinhedos no sul chileno. E José Ignacio Maturana trouxe um tinto de San Francisco, uva vinífera que ninguém sabia existir.

Antes de mais nada, é bom conhecer um pouco mais do vale de Colchagua e sobre a associação Colchagua Singular. O vale fica no centro do país, entre a Cordilheira dos Andes e o Pacífico, e começa cerca de 150 km ao sul de Santiago. Cortado pelas águas do rio Tinguiririca, tem clima temperado, com verões quentes e secos, abrandados pelas brisas frias das montanhas, do oceano e do rio. As cidades principais são Santa Cruz e San Fernando. Nesta grande área há sub-vales, como Apalta, Lolol, Maule e Curicó. Na língua indígena, Colchagua significa “lugar de pequenas lagunas”.

Os associados de Colchagua Singular

Ali se localizam vinícolas de porte grande, como Viu Manent, Montes, Santa Cruz, Montgras, Casa Silva e Los Vascos. Mas há também propriedades pequenas, artesanais, onde o vinho é uma verdadeira paixão. Em dezembro passado, 13 delas formalizaram o desejo de atuar em grupo, criando a Colchagua Singular.

Seu presidente, o enólogo José Ignacio Maturana, explica quem são os associados: “São vinícolas familiares, que produzem até 50 mil garrafas de vinho por ano. Seus vinhos devem ser produzidos com uvas plantadas em Colchagua e, os vinhos, ali vinificados e engarrafados. Os donos são os responsáveis diretos pela produção e comercialização dos vinhos”.

No Chile há outras interessantes associações de pequenos produtores, como o Movi (Movimento de Vinhateiros Independentes), com sócios de várias regiões produtores. Mas segundo Maturana, o objetivo da Colchagua Singular é priorizar o terroir Colchagua, aumentar a visibilidade de suas pequenas vinícolas e, mais tarde, criar uma Ruta Turistica específica para seus associados.

Hoje a sociedade é integrada por: Bodega Caven, Cultra Vinos, L’Entremetteuse, Viñedos El Huape, Fanoa, Lololinos, Lugarejo, Maturana Wines, Viña Nahuel, Nerkihue, La Pascuala, Travesía e Villalobos. A maior parte ainda não tem importador no Brasil, o que é uma pena.

Vamos então mostrar aqui as histórias de alguns deles.

 

Vinhedos selvagens

A vinha da família Villalobos em Lolol

Entre as décadas de 1940 e 1950, um empresário chileno plantou 300 hectares de vinhedos em sua propriedade em Lolol, na zona costeira do vale de Colchagua. Depois mudou de ideia, desenvolveu outros projetos nas terras e abandonou as vinhas. Nunca mais se preocupou com elas.

Alguns anos mais tarde, o campo todo, com 600 hectares, foi comprado pela família do artista plástico Henrique Villalobos, que pretendia montar ali um negócio florestal. Henrique, escultor, morava no Valle de los Artistas com a mulher, Rita, e os filhos Rolando, Martim e Alejandro. Como o nome indica, a área era um reduto de artistas que trocaram obras de arte por parcelas de terreno.

No meio da mata, os Villalobos encontraram uma vinha em estado selvagem, mas não deram importância a ela. “Durante 40 anos, a gente colhia as uvas apenas para alimentar os cavalos”, conta Martim Villalobos. Eles pensavam que eram cachos de País, casta primitiva trazida pelos espanhóis que colonizaram o Chile, pouco valorizada na época.

Henrique (à esq.) e filhos

Assim foi até que, em 2008, receberam a visita de um amigo francês, o engenheiro agrônomo Mathieu Rousseau. Passeando pela área, Mathieu ficou surpreso com a vinha selvagem. Ele disse que não parecia País, como pensavam. Pesquisando nos registros antigos, descobriram que o dono anterior havia plantado Carignan em vaso, sistema antigo em que as plantas são cultivadas individualmente, na vertical, como uma flor.

Dos 300 hectares originais, haviam sobrado somente 4 ha. Incentivados por Mathieu, os Villalobos colheram as uvas e fizeram uma primeira vinificação. O amigo francês morreu precocemente e, sem sua orientação técnica, decidiram vender as uvas a terceiros. Ficaram decepcionados com os preços oferecidos e resolveram definitivamente produzir o próprio vinho. Compraram livros, fizeram experiências, e aprenderam na prática.

Em 2010, a família construiu a adega no espaço do atelier de Henrique e ele próprio desenhou o rótulo do primeiro vinho com o nome da família, uma aquarela bastante colorida e alegre, como o Carignan que produziram. Deram à vinícola um nome que expressa o estado de sua inusitada vinha: Villalobos Viñedo Silvestre.

O vinhedo, tomado pela mata

Selvagem não é exagero. Lis Cereja, sócia proprietária da Enoteca Saint Vinsaint, de São Paulo, e realmente conhecedora dos vinhos naturebas, observa que “a videira, em seu estado natural, é uma trepadeira e cresce espontaneamente onde é autóctone”. Foi o que aconteceu com a vinha encontrada pelos Villalobos. Abandonada pelo antigo dono, voltou ao seu estado silvestre, como trepadeira. Sobreviveu sem nenhuma intervenção humana, subiu pelas árvores, foi tomada pela vegetação e incorporada pela mata.

Há cachos ao nível do solo e outros a 15 metros de altura, entremeados nos galhos das árvores, o que dificulta a colheita, só manual, com ajuda de escadas. Ao longo do tempo, as plantas se adaptaram ao local. No vale do Maule, por exemplo, a Carignan dá cachos pequenos, com grãos apertados. Em Lolol, que fica a 30 km do mar, onde chove mais, os cachos silvestres têm grãos espaçados, que permitem escorrer a água e dificultam a propagação de fungos.

O vinhedo está em zona de secano (como são chamadas no Chile as vinhas sem irrigação). A chuva que cai no inverno é suficiente para manter as plantas durante o resto do ano. A vinha permanece intocada, do jeito que estava: sem nenhuma intervenção, sem podas, irrigação, pulverização de inseticidas, nada. Mas dá um Carignan sensacional.

Agora a família Villalobos produz 8 mil garrafas por ano do Carignan selvagem e está plantando mais 5 hectares, digamos, normais, com outras variedades. Também produz Carmenère com uvas compradas a terceiros e mais um tinto com uvas de vinhas velhas País e Cinsault encontradas nos vales de Maule e Itata. No Brasil, seus produtos são distribuídos pela importadora paulista Sommelier 4You.

 

Villalobos Carignan 2016

Villalobos Viñedo Silvestre – Vale de Colchagua – Chile – Sommelier 4You – R$ 150 – Nota 91

Um tinto alegre, fácil de beber, bom para comida, produzido com um mínimo de intervenção. Vinho natural, fermenta com leveduras nativas e sem nenhuma correção. Repousa por 12 meses em barricas de carvalho usadas e é engarrafado sem filtração. Nos aromas aparecem notas florais, de eucalipto, especiarias, algo herbáceo, terroso, e frutas como figo e cereja. Macio, estruturado, tem muito boa acidez e frescor final. Tudo limpo, com delicadeza, do jeito que a natureza ofereceu (12,9%).

Sommelier 4You Importadora – São Paulo/SP – Tel.: (11) 94125-7570.

 

Maturana Wines

Parte da linha da Maturana

É a empresa com maior produção no grupo Colchagua Singular, cerca de 40 mil garrafas por ano. O enólogo José Ignacio Maturana trabalhou por 14 anos na vinícola Casa Silva, na equipe do experiente Mario Geisse. Saiu em 2011 para tocar o próprio projeto, com o pai e um irmão. Ele seleciona vinhedos e compra uvas de terceiros nas zonas de Marchigüe, Paredones, San Fernando e Maule. Vinifica em uma adega construída na casa do pai. No jardim da casa há um pequeno vinhedo de Syrah, de cujas uvas José Ignacio extrai um simpático rosé.

O primeiro vinho, ainda em 2011, foi um tinto a partir de 80% Carmenère e 20% Cabernet Sauvignon, do qual saíram apenas 3 mil garrafas. Em 2015, já foram 15 mil garrafas desse mesmo vinho. Hoje, oferece vários rótulos com a identidade Maturana Wines, distribuídos no Brasil pela importadora La Cristianini. Alguns deles feitos com uvas quase desconhecidas, como o branco Naranjo Torontel (versão chilena da Torrontés argentina) e o tinto Negra San Francisco, elaborado com a San Francisco, casta quase extinta. Seus vinhos são comercializados aqui pela importadora paulista La Cristianini.

 

Maturana Sémillon 2018

Maturana Wines – Vale de Colchagua – Chile – La Cristianini – R$ 135 – Nota 92

Um branco especial, volumoso, produzido com uvas de um vinhedo plantado em 1928, com apenas 4 hectares, em solo granítico de zona de secano. A vinificação seguiu o conceito natural, com leveduras indígenas. No lote, 30% foram fermentados em contato com as cascas, para dar mais complexidade. Depois, uma parte ficou por 6 meses em barricas usadas de carvalho francês. Ao nariz aparecem notas minerais, de pedra, florais, de alecrim e pera. Impressiona pelo ataque de boca, amplo, cheio, ao mesmo tempo vibrante, pela boa acidez. Delicioso (13,3%).

 

Torontel Naranjo 2017

Maturana Wines – Vale do Maule – Chile – La Cristianini – R$ 135 – Nota 92

Torontel é o nome chileno da perfumada Torrontés, no estilo das uvas da região argentina de La Rioja. Aqui a matéria-prima vem da zona de secano do Maule, de um vinhedo de 1945, plantado em vaso. A vinificação, com leveduras indígenas, foi feita como um tinto, pois o mosto fermentou em contato com as castas, onde ficou por oito meses. É o conceito dos chamados vinhos “laranja”. Resultou um branco estruturado, envolvente, complexo. Os aromas típicos da variedade lembram rosas. Seco, não tem nada de enjoativo (13,5%).

 

Negra San Francisco 2018

Maturana Wines – Vale do Maule – Chile – La Cristianini – R$ 135 – Nota 91

Tinto com uma história interessante. O vinhedo é o mesmo de onde saiu a Torontel que deu o Naranjo. Nos 4 hectares de secano, as uvas Torontel e País eram plantadas praticamente misturadas. Segundo o proprietário, eram algo como dois hectares de cada uma. Mas andando pelo vinhedo, o enólogo José Ignacio Maturana percebeu que parte das tintas era diferente, não parecia País. Pesquisando, descobriu que era San Francisco, uma variedade vinífera trazida pelos colonizadores espanhóis e que se supunha desaparecida. Hoje a San Francisco é casta aprovada e reconhecida oficialmente pela legislação do Chile. O vinho é frutado, ligeiro, recorda goiabada. Macio, jovial, é muito fácil de beber (13%).

 

Maturana Carmenère-Cabernet Sauvignon 2015

Maturana Wines – Marchigue/Colchagua – Chile – La Cristianini – R$ 500 – Nota 93

Tinto com 80% Carmenère e 20% Cabernet Sauvignon, amadurecido por 14 meses de forma variada – 30% do lote ficou em barris de 500 litros de carvalho francês novo; 40%, em barricas usadas; e os outros 30%, em ovos de concreto. A mistura resultou em um vinho equilibrado, bem feito, com aromas a alcatrão, tabaco e mentol. Mostra boa fruta madura, acidez firme, em um conjunto macio, com ótima presença em boca (14,5%).

La Cristianini Importadora – Hortolândia/SP – www.lacristianini.com.br – Tel.: (19) 3043-4757.

 

Viña Fanoa

Práticas biodinâmicas

O jovem engenheiro agrícola e enólogo Raúl Narvaez implantou seu primeiro projeto em 2009, em Colchagua, em 2,3 hectares de vinhedos manejados de acordo com os processos orgânico e biodinâmico. A vinha e a adega são assim certificadas. O nome da empresa, Fanoa, reúne as iniciais de Familia Narvaez Ovalle Associada. Raúl não utiliza produtos químicos sintéticos no cultivo das uvas e, na bodega, vinifica somente com leveduras indígenas e quantidades mínimas de sulfuroso.

O segundo projeto, o Vicap, no vale do Maleco, no sul do Chile, parte de um vinhedo minúsculo, com 110 anos de idade e apenas 0,6 hectare. O manejo orgânico está em processo de certificação. A vinícola ainda busca importador no Brasil.

 

Los Confines Moscatel 2018

Vicap – Vale do Maleco – Chile – Nota 91

Branco volumoso, bem feito, com muito boa acidez, que nem sempre se encontra na Moscatel. Os aromas, típicos, mostram notas florais, a rosas, em fundo cítrico. Estruturado, é bastante seco, cortante, fresco, persistente. Um vinho atraente, sem excessos, que se bebe com prazer. Dele foram feitas somente 800 garrafas (12,5%).

 

Fanoa Seis Tintos 2016

Fanoa – Vale de Colchagua – Chile – Nota 90

Tinto com boa pegada, que mostra taninos com algumas garras, mas maduros. É corte de 30% Malbec, 19% Carmenére, 18% Tempranillo, 11% Petite Syrah, 11% Carignan, 11% Cabernet Sauvignon, afinado por 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Traz nos aromas notas de cassis, terrosas e de tabaco. Na boca é estruturado, firme, amplo, sem agressividade. O final longo recorda cacau. Foram entregues ao mercado 4.100 garrafas (13,5%).

 

Nerkihue

O empresário da construção Domingo Arteaga, cuja família há muito produzia vinhos no Sul do Chile, comprou em 2002 20 hectares no sub-vale de Lolol e plantou seu vinhedo. Pensava um dia produzir os próprios vinhos. Na época, os filhos eram pequenos. Ele chegou a elaborar tintos para consumo da família, e vendia a maior parte das uvas.

Mais tarde, os filhos, especialmente Bernardo e Loreto, retomaram o projeto do pai, com a marca Quiebre (“quebra”, referindo-se ao rompimento feito pela nova geração). Em 2015, começaram a comercializar seis varietais sem passagem por madeira, vinificados pela enóloga Ximena Pacheco. Produzem 14 mil garrafas por ano. A empresa procura representação no Brasil.

 

Quiebre Malbec 2016

Nerkihue – Vale de Lolol – Chile – Nota 90

Produzido com leveduras indígenas, sem passagem por carvalho, tem aromas de eucalipto, cereja e mentol. Mostra fruta gostosa, expressa bem o local em que nasceu, é estruturado, untuoso e macio. Tem notas de grafite e bom frescor.


Related Articles

Lançamentos da Mistral trazem bons vinhos em várias faixas de preço

Jumilla e Montsant, na Espanha; Vêneto e Toscana, na Itália; Douro, Alentejo e Ilha da Madeira, em Portugal; Borgonha e

O Beaujolais Nouveau 2016 de Joseph Drouhin já chegou

A importadora Mistral já está distribuindo em suas lojas e em um grupo de restaurantes selecionados o Beaujolais Nouveau 2016

Vinhos do Uruguai mostram evolução

As vinícolas do Uruguai investem em tecnologias modernas e no melhoramento dos vinhedos, hoje integralmente monitorados por georreferenciamento. Uma nova

No comments

Write a comment
No Comments Yet! You can be first to comment this post!

Write a Comment

Your e-mail address will not be published.
Required fields are marked*