Chianti e seus vários estilos, em momento de grande renovação

Chianti e seus vários estilos, em momento de grande renovação

Alguns dos Riserva provados no evento

O Chianti, um dos mais conhecidos e tradicionais vinhos italianos, está se renovando ano a ano. “Hoje é diferente do que se fazia há algum tempo, com reestruturação dos vinhedos e atualização das cantinas”, diz Giovanni Busi, presidente do Consorzio Vino Chianti, que em outubro comandou visita de uma caravana de produtores desta região da Toscana a São Paulo.

O evento, além de ser oportunidade para provar muitos bons tintos, serviu também para ampliar os conhecimentos sobre estes vinhos, que já foram bastante populares nas cantinas italianas por aqui, mas cuja imagem sofreu algum desgaste no passado recente. Na época, alguns produtores davam mais atenção à quantidade do que à qualidade. Atualmente o foco é outro e o nome Chianti cada vez mais é associado a vinhos de qualidade, graças a uma nova mentalidade nas vinícolas e à revalorização da Sangiovese, a uva local mais emblemática.

A bela paisagem da zona do Chianti

A zona definida para a produção de Chianti localiza-se no centro da Toscana, na área de colinas junto à cadeia dos montes Apeninos, nas províncias de Arezzo, Florença, Pistoia, Pisa, Prato e Siena. Antes de mais nada, é preciso lembrar que se fala de Chianti como se fosse um único vinho, sem levar em conta a diversidade local.

Na verdade, há duas grandes famílias de Chianti, regidas por dois consórcios e regulamentação diferentes. Ambas recebem a classificação DOCG – Denominazione di Origine Controllata e Garantita. Uma, que engloba os vinhedos na área histórica entre Florença e Siena, é chamada de DOCG Chianti Classico, liderada pelo Consorzio del Gallo Nero (seu símbolo é a imagem de um galo preto). Ganhou fama no mercado internacional ao se apresentar como a zona original e mais glamurosa da apelação.

A segunda envolve todas as outras áreas da região e se identifica simplesmente como DOCG Chianti. Também oferece tintos de grande qualidade. É sobre ela que vamos falar aqui, aproveitando a visita dos produtores reunidos no Consorzio Vino Chianti.

 

História

A distinção entre as duas DOCG traz alguma confusão até mesmo entre especialistas. A divisão oficial é relativamente recente, dos anos 1990. Antes havia apenas Chianti. Da Idade Média até o Renascimento, a região da Toscana entre Florença e Siena foi um campo de batalha constante para as famílias que dominavam as duas cidades e disputavam a hegemonia local.

Os embates envolviam igualmente a produção de vinho e a marcação dos limites dos vinhedos entre Florença e Siena (daí a lenda do galo negro, mas esta é uma outra história!). O vinho feito na região ganhou fama e muitos queriam participar do negócio. Diante de tentativas de fraude, em 1716 o então Grão Duque da Toscana Cosimo III delimitou a área autorizada para sua elaboração, protegendo assim a denominação. A partir daí, na zona de Chianti se produzia um vinho chamado Chianti.

A espinha dorsal do tinto era a uva local Sangiovese. Com o sucesso, a zona de produção extrapolou os limites da demarcação original, estendendo-se para área mais ampla. Mais tarde, por volta de 1870, o Barão Bettino Ricasoli, ministro do Reino da Itália e herdeiro do Castello di Brolio, na Toscana, estabeleceu uma nova receita para o Chianti. Ele defendia que a Sangiovese, predominante no corte, deveria ser temperada pela tinta Canaiolo e pela branca Malvasia, para tornar o vinho mais fácil de beber.

A área da apelação é definida em 1932

Nas primeiras décadas do século XX, a produção aumentou ainda mais. Pelo sistema agrícola predominante na região, muitos agricultores entregavam parte das uvas aos donos das terras e, assim, buscavam a quantidade e não a qualidade. Com vinhos aviltados, a imagem do Chianti decaiu.

A primeira reação veio em 1924, quando um grupo de produtores conscientes criou um consórcio para tutelar a denominação. A nova área com direito à apelação Chianti foi definida em 1932, abrangendo o círculo entre Florença e Siena e também os arredores das duas cidades e de outras províncias próximas. Mas já nessa época, para se diferenciar dos novatos, os produtores da zona original acrescentaram em seus rótulos o qualificativo Classico.

Em 1984, o governo italiano concedeu ao Chianti a classificação DOCG, teoricamente a mais elevada, com regras restritivas para garantir a qualidade do vinho. Alguns anos depois, o grupo de produtores de Chianti Classico, estabelecidos na zona histórica do Chianti, ou seja, com vinhedos nas nove comunas entre Florença e Siena (muitas delas mesmo com a palavra Chianti no nome), iniciaram movimento separatista para valorizar sua origem.

O grupo foi bem sucedido e em 1996 o governo italiano reconheceu a independência da área, identificada como DOCG Chianti Classico, regida por regras próprias, mais restritivas do que as vigentes anteriormente. Surgiram assim duas DOCG diferentes, a do Chianti e a do Chianti Classico, embora os vinhos sejam parecidos e tenham como base a mesma uva, a Sangiovese.

 

A DOCG Chianti

No passado, boa parte da Toscana era coberta pelas águas do mar Tirreno, o que explica a presença de restos de conchas no sub-solo. A região é cercada por montanhas, uma das paisagens mais belas da Itália, cenário de muitos filmes. A zona de Chianti estende-se por cerca de 20 km (do norte-sul-sudeste) e tem como ponto mais alto o Monte San Michele, a 893 m. É cortada por cinco rios, que a definem: Pesa, Greve, Ombrone, Staggia e Arbia.

Os vinhedos plantados nas colinas têm altitude média entre 200 e 400 metros acima do nível do mar. O clima da região está entre úmido e sub-úmido, com alguma deficiência de água no verão, período de maturação das uvas. A precipitação média anual é de 867 mm e o mês normalmente mais chuvoso é novembro.

Por lei, a Sangiovese, uva de ciclo longo e grande acidez natural, deve predominar com no mínimo 75% do lote. A legislação permite uso de até 10% de outras tintas locais, como Canaiolo Nero e Colorino, ou até 10% das brancas Trebbiano Toscano ou Malvasia del Chianti. E até 15% de tintas internacionais, como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot. O corte é determinado pelo produtor, dependendo do vinho pretendido. Pela forte presença da Sangiovese se entende porque o Chianti é normalmente um tinto com acidez marcante, muito bom para acompanhar comida.

A grande família DOCG Chianti se subdivide em duas. Como em toda DOC, para ter direito à classificação o vinho precisa vir inteiramente de uvas plantadas na área delimitada e ali ser vinificado. A maior parte do tinto local é composta por Chianti corrente, que pode se originar de qualquer parte da denominação. A elite dos vinhos vem de sete sub-regiões, com regras mais rigorosas, onde nascem os Chianti Riserva. “Quando o vinho é bom, é difícil distinguir entre um Chianti Riserva e um Chianti Classico”, afirma Giovanni Busi, presidente do Consorzio Vino Chianti.

As sete sub-regiões destinadas ao Chianti Riserva, categoria superior, se distinguem, mais do que pela geografia, por diferenças de solo e de microclima. São elas: 1) Colli Senesi; 2) Montalbano; 3) Colline Pisano; 4) Montespertolli; 5) Colli Aretini; 6) Rùfina (pronuncia-se com acento no “u”); e 7) Colli Fiorentini. A menção ao nome de uma sub-região somente é permitida para vinhos produzidos exclusivamente nessas áreas, a partir de uvas ali colhidas e vinificadas.

Apenas vinhedos situados nas encostas, e com exposição solar adequada, podem ser indicados como berço de Riserva no registro agrícola oficial. O rendimento máximo é de 9,5 toneladas de uva por hectare para o Chianti Riserva – e de 11 toneladas para o Chianti corrente. Para receber a classificação Riserva, o vinho precisa ainda amadurecer pelo menos dois anos nas caves, dos quais pelo menos 3 meses em garrafa antes de ir ao mercado. Os Chianti de primeira linha que fazem menção no rótulo a alguma das sete sub-regiões também podem ser denominados Superiore, categoria intermediária entre o vinho corrente e o Riserva.

Antigamente, as uvas brancas podiam completar a Sangiovese com até 30% do total do lote, para tornar mais bebíveis os Chianti rascantes. Era o caso dos tintos vendidos aqui, em garrafas embaladas em palha, os fiaschi. Pelo padrão apresentado na época, o Chianti não era considerado de guarda. Era vinho jovem, fresco, para ser bebido logo.

Ainda há vinhos mais simples, com este estilo. Mas os bons produtores oferecem tintos de qualidade, de gama superior. Aliás, a renovação do vinho italiano, iniciada nos anos 1960, começou na Toscana, pela iniciativa de visionários como os marqueses Mario Incisa dela Rocchetta e seu sobrinho Piero Antinori. Trabalhando para o primeiro, o revolucionário enólogo Giacomo Tachis criou em 1968 o monumental tinto Sassicaia; e na casa Antinori surgiu o Tignanello. Foi o ponto de partida para os chamados super toscanos.

Borgo Il Palazzo: construções restauradas

O reconhecimento internacional das mudanças tornou-se mais visível na década de 1990 e beneficiou toda a vinicultura italiana. O Chianti também estava nessa onda de aprimoramento da qualidade.

Com a melhoria genética dos clones, o protagonismo da Sangiovese é cada vez maior e a proporção de brancas tem caído ao longo dos anos – no caso do Chianti Classico a prática é até proibida. A variedade se desenvolve bem em toda a Toscana, com exceção da faixa costeira do mar Tirreno, onde perde para Cabernet Sauvignon e Merlot. Além do Chianti, a Sangiovese é a estrela de outras joias toscanas, como Brunello di Montalcino e Vino Nobile de Montepulciano. Brilha da mesma forma em muitos super toscanos, sozinha ou na companhia de castas internacionais.

Hoje há 3 mil produtores cadastrados na zona da DOCG Chianti, com 15.500 hectares de vinhedos, que produzem 110 milhões de garrafas por ano. Muitos vinhos apresentados no evento do Consorzio Vino Chianti em São Paulo comprovam a evolução de seus produtos. Como exemplo, selecionamos aqui três Chianti Riserva provados na ocasião e distribuídos por importadoras brasileiras.

 

Il Palazzo Chianti Colli Aretini Riserva 2015

Tenuta Il Palazzo – Toscana – Itália – Cia Beal – R$ 120 – Nota 92

Com uma história rica, que remonta aos etruscos e romanos, o Borgo Il Palazzo, uma antiga aldeia medieval, se situa em uma típica colina toscana, a 380 m de altitude, vizinha à cidade de Arezzo, rodeado de vinhas e olivais. A propriedade, com 105 hectares, abriga um hotel bastante charmoso e outras construções antigas, que os atuais donos, Anna Maria e Primo Banelli, começaram a restaurar nos anos 1970. Na área vinícola, a adega e os vinhedos receberam grandes investimentos. A nova cantina ficou pronta em 2005. Seu vinho, de perfil moderno, 95% de Sangiovese, com tempero de 5% de outras uvas, estagia por 20 meses em tanques de inox e barricas de carvalho. É encorpado, mas muito equilibrado. Nos aromas lembra alcaçuz em base de frutas a cereja e amora. Ainda jovem, vivo, tem boa acidez, é macio, redondo e elegante (14,5%).

 

Tegolaia Chianti Rùfina Riserva 2015

Villa Travignoli – Toscana – Itália – Itália Mais – R$ 165 – Nota 91

A vinícola Travignoli está localizada na sub-região de Rùfina, 25 quilômetros a leste de Florença, perto da confluência dos rios Arno e Sieve. A propriedade tem 90 hectares, sendo 70 ha plantados com uvas. O solo é de marga calcária e os vinhedos, expostos a sul, a uma altitude entre 250 e 400 metros. O sol irradia as vinhas o dia inteiro, facilitando a maturação das uvas, que ficam protegidas da umidade. Seu tinto, bem feito, vem de 95% Sangiovese e 5% de uma mescla de Merlot e Cabernet Sauvignon, com estágio de 20 meses em barricas de carvalho. Oferece aromas de cereja e cassis, em meio a notas florais e de chocolate. É estruturado, com bom corpo, taninos firmes, maduros e tem ótima acidez. Um vinho equilibrado e fresco (13,5%).

 

Valvirginio Chianti Riserva 2013

Cantina Sociale Colli Fiorentini – Toscana – Itália – Del Maipo – R$ 105 – Nota 91

A cooperativa, criada em 1972, reúne hoje 850 proprietários, donos de 1.500 hectares de terras em Montespertoli, no vale do rio Virginio. É grande produtora de Chianti. Seu Riserva, aromático e fresco, parte de 90% Sangiovese e 10% Merlot, com afinamento de 15 meses em carvalho. Traz ao nariz notas florais, algo de ervas secas, amora e tabaco. Tem bom corpo, equilíbrio, taninos maduros e está no ponto para beber (13,5%).

 

 

 


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