Safra de 2017 no Sul foi normal, com qualidade média

Safra de 2017 no Sul foi normal, com qualidade média
Uva e vinho - FOTO Gilmar Gomes

Colheita chega ao fim no Sul (Foto Gilmar Mendes)

A colheita da uva terminou no Sul do Brasil e a expectativa de uma safra de qualidade especial não se confirmou. O ano de 2017, muito bom em quantidade, teve qualidade normal, regular. No início do ano os viticultores previam a presença do fenômeno La Niña que, ao contrário do El Niño, costuma trazer para a região Sul verões secos e quentes, e a promessa de safras grandiosas, como 1991, 1999, 2005, 2008 e 2012. Mas desta vez o fenômeno climático não ocorreu.

De qualquer forma, os produtores gaúchos parecem satisfeitos. “Tivemos uma safra, se não excepcional, pelo menos boa, que deu uvas sadias e muitos vinhos com 14% de álcool”, diz o enólogo Adriano Miolo, superintendente do grupo que leva seu nome de família.

De acordo com projeções feitas pelo Ibravin, o Instituto Brasileiro do Vinho, a safra gaúcha deve somar este ano cerca de 700 mil toneladas de uvas. O total superou a estimativa inicial do setor e representa um aumento de 133% sobre a vindima de 2016, que teve registro de interferências climáticas desfavoráveis e quebra histórica de 50% em volume.

 

Início promissor

A safra 2017 começou com a poda seca feita nos parreirais no inverno de 2016, um dos mais rigorosos dos últimos anos, com mais de 600 horas de frio (são contadas apenas as horas em que a temperatura fica abaixo de 7,2°C). Isso favoreceu perfeita dormência das plantas. A seguir, a primavera foi seca, ocasionando brotação bastante uniforme.

As chuvas neste período ficaram bem distribuídas, de curta duração e com volumes moderados. A frutificação transcorreu bem, beneficiada pela boa insolação. O verão iniciou com jeito de La Niña, com poucas precipitações e temperaturas amenas. No entanto, as chuvas apareceram a partir da metade de dezembro, diminuindo a irradiação solar, o que não favoreceu a maior maturação dos frutos.

A colheita no Rio Grande do Sul teve início na primeira quinzena de janeiro. O mês foi medianamente chuvoso (135 mm). As variedades de maturação precoce, como Chardonnay e Pinot Noir, se saíram bem, o que é ótimo para os espumantes, já que estas castas são bastante usadas para a produção do vinho base, aquele que fará uma segunda fermentação para ganhar espuma e borbulhas.

Em relatório técnico, Mauro Zanuz, chefe da Embrapa Uva e Vinho em Bento Gonçalves, destacou que as uvas intermediárias, como Riesling Itálico, Trebbiano e em algumas áreas a Merlot, também apresentaram uma qualidade intermediária/boa, muito dependente do local do vinhedo.

 

Importância da localização

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Guatambu, na Campanha (Foto Rodrigo Alves Vieira)

Para Zanuz, estabelecer os vinhedos nos melhores locais será cada vez mais importante: “Vinhedos bem localizados (de encostas) e bem drenados, empregando mudas de qualidade e tratos culturais adequados, lograram atenuar o efeito prejudicial das chuvas. Vinhedos com pior localização (mais planos), mal drenados, com videiras virosadas e com baixo nível tecnológico, têm propiciado uvas com grau de maturação abaixo do adequado”.

Moacir Mazzarolo, representante da Comissão Interestadual da Uva no Conselho Deliberativo do Ibravin, destaca a mesma coisa: “O resultado não está igual em todas as regiões, porém as variedades mais precoces e, principalmente, as tardias das regiões mais altas, estão excepcionais. E, de uma forma geral, quem fez um bom manejo dos parreirais, teve boa uva em 2017”.

 

Desafios e mais trabalho

A família Pötter, por exemplo, dona da Guatambu Estância do Vinho em Dom Pedrito, na Campanha, registrou que os primeiros resultados da colheita foram excelentes. Lá a vindima começou em 15 de janeiro com Chardonnay, Gewürztraminer e Pinot Noir, apresentando frutas muito equilibradas em concentração de açúcar, pH, acidez e aromas.

A colheita terminou em 17 de março, com Cabernet Sauvignon e Tannat, as variedades de ciclo mais longo. No total foram colhidas 118 toneladas de uvas. Segundo a enóloga Gabriela Pötter, “o clima da safra 2017 apresentou temperaturas máximas mais baixas do que as safras 2015 e 2016 durante o verão, sobretudo no mês de fevereiro”.

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Uvas Tannat, destaque na Campanha

Os dados da Estação Meteorológica Automática instalada na Estância Guatambu também mostram que ocorreram precipitações acima da média histórica da região da Campanha. “Foi um clima instigante, podemos dizer, mas que ao mesmo tempo nos surpreendeu, pois as uvas produzidas foram de excelente qualidade, embora tenham exigido mais trabalho nos tratos culturais”, comenta Gabriela. A enóloga acha que o destaque de 2017 serão os tintos feitos com Tannat, que terão em média 14,5% de graduação alcóolica, devido à alta concentração de açúcar contida nas uvas.

Pela localização, clima e características topográficas, as vinícolas de altitude de Santa Catarina começam a colher as uvas quando as empresas gaúchas estão quase terminando os trabalhos. Este ano, a vindima na Villa Francioni, situada nas serras de São Joaquim, 1.260 metros acima do nível do mar, começou em meados de março, com as castas brancas, e deve terminar no final deste mês. A área plantada é de 26 hectares e, segundo o enólogo Nei Rasera, devem ser colhidas cerca de 160 toneladas de uvas.

 

Quantidade

Já das quantidades colhidas não houve do que reclamar. A Cooperativa Vinícola Garibaldi, por exemplo, encerrou a vindima com festa no final de março. Desde o dia 9 de janeiro, a empresa recebeu 22 milhões de quilos de uva – índice superado apenas em 1985, quando foram colhidas 22,7 milhões. “Foi uma safra necessária, capaz de repor estoques e reestabelecer a demanda crescente do mercado, recuperando o fôlego depois da quebra de safra em 2016”, ressaltou Oscar Ló, presidente da cooperativa.

O grupo Miolo, por sua vez, colheu 6 milhões de quilos de uvas nos 750 hectares de vinhedos que possui em três projetos diferentes, ou seja, no Vale dos Vinhedos e na Campanha (Vinícolas Seival e Almadén). A empresa registrou safra recorde em Candiota, onde fica a Seival. Nos 200 hectares de área plantada foram colhidos 1,5 milhão de quilos de uvas, quase 10 mil quilos mais do que em 2012. Até o final do ano serão colhidos mais 3 milhões de quilos nos 200 hectares de vinhas do grupo no Vale do rio São Francisco, no Nordeste.

 

Os primeiros vinhos

image003A Miolo já lançou o primeiro vinho da safra, o expressivo Gamay Nouveau 2017, com uvas da Campanha, e logo deve apresentar o segundo, o Miolo Reserva Sauvignon Blanc Colheita Noturna 2017. Para avaliar a qualidade da colheita, será preciso aguardar a chegada de outros brancos e dos tintos, o que deve ocorrer em até dois anos.

O Gamay Nouveau, inspirado no Beaujolais Nouveu da França, surpreendeu pela estrutura e frescor, mas isso provavelmente se deve menos à safra e sim às mudanças recentes implantadas pela Miolo. Segundo Adriano Miolo, por dois anos seguidos a vinícola contou com a assessoria do enólogo francês Henry Marionet, especialista em Gamay. Ele sugeriu o plantio de novos clones da variedade, para dar mais tipicidade e cor aos vinhos.

Outra mudança aconteceu na maneira de vinificar. Como na região do Beaujolais, a Miolo já usava o processo de maceração carbônica, em que as uvas são fermentadas inteiras, em tanques fechados. Marionet introduziu algumas alterações, aplicando o chamado Método Ancestral. O cacho inteiro é colocado nos tanques, sem desengaçar (sem a retirada dos cabinhos) e sem a injeção de gás carbônico. Coloca-se um pouco de mosto no fundo do tanque e sobre ele, os cachos. A cuba então é fechada. O suco inicia a fermentação, pelo trabalho das leveduras, liberando gás carbônico e dando início à maceração. Não se mexe no tanque por sete dias. Ao final, as uvas são retiradas e prensadas. O mosto já sai com cor e ainda está rico em açúcar. Feito isto, a fermentação prossegue, como se fosse um branco, isto é, sem presença das cascas. Mais oito ou dez dias e o vinho está pronto para ser engarrafado. O Gamay Nouveau 2017 custa R$ 47,40.

 

 


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