Manuscrito, vinhos da Espanha com um olhar uruguaio

Depois de dedicar a vida aos vinhos de seu país, a conhecida enóloga uruguaia Estela de Frutos, chamada de “Dama do Tannat”, deu uma guinada em sua carreira. Nos últimos anos, ela resolveu voltar a atenção para a Espanha, onde havia estudado Enologia. Com ajuda de amigos da área, Estela localizou vinhas velhas de castas autóctones no norte espanhol, e com elas produz os tintos e brancos Manuscrito, oito vinhos inovadores, que expressam a sua maneira de interpretar oito diferentes Denominações de Origem (DO) locais.

Na semana passada Estela de Frutos esteve em São Paulo para apresentar cinco destes varietais, da safra de 2014, distribuídos aqui pela importadora gaúcha La Charbonnade. São dois brancos – Manuscrito Hondarrabi Zuri, da DO Txakolí de Álava; e Albariño, de Rías Baixas – e três tintos – Manuscrito Mencia, da DO Bierzo; Graciano, da Tierra de Castilla; e um Tempranillo de Ribera del Duero.

Em função do projeto pessoal, no ano passado Estela deixou o Inavi, o organismo oficial da vitivinicultura do Uruguai, onde trabalhou por muito tempo como uma espécie de embaixadora dos vinhos nacionais. Por quê Espanha? “Resolvi terminar a carreira onde comecei”, diz ela, lembrando também que seus avós eram espanhóis e que tem parentes e muitas ligações no país. Assim, em sociedade com o irmão Alejandro de Frutos, que mora na Espanha, Estela criou a Bodega Terra Furati, dona da marca Manuscrito.

A empresa não tem vinhedos. Para descobrir viticultores parceiros, Estela e o sobrinho Juan Sebastian percorreram 4 mil km no norte do país. Encontraram preciosidades, como vinhas velhas da rara uva branca basca Hondarrabi Zuri e vinhedos de Tempranillo em Ribera del Duero com mais de 90 anos de idade.

O primeiro vinho elaborado por ela foi com uvas tintas Graciano, da zona de La Mancha, a terra de D. Quixote. “Percebi que ela é muito parecida com a Tannat e isso me inspirou a desenvolver todo o projeto com as castas autóctones espanholas”, conta Estela. Segundo a enóloga, como a casta emblemática uruguaia, a Graciano tem carga maior de antocianos do que de taninos, o que dá tintos com bastante cor.

Os vinhos Manuscrito não passam por barricas de carvalho, pois a ideia é serem 100% expressão das castas espanholas típicas. Os brancos ganham volume e complexidade por ficarem em contato com as borras e os tintos envelhecem na garrafa.

Por exigência da legislação, cada vinho é vinificado na DO de onde provém, e para isso a Terra Furati aluga instalações de parceiros. Aliás, pela ausência de madeira nos tintos, a burocracia que administra a regulamentação do setor não queria permitir sua classificação como DO. Mas a inclusão foi autorizada depois que os vinhos Manuscrito mostraram grande qualidade em inúmeras provas às cegas. Entre os cinco rótulos apresentados por Estela de Frutos na visita a são Paulo, destacamos especialmente três.

 

Manuscrito Hondarrabi Zuri 2014

Terra Furati – DO Txakolí de Álava – La Charbonnade – R$ 140 – Nota 91

Branco seco e vibrante, feito com a rara Hondarrabi Zuri, típica do País Basco. A casta é conhecida há muitos séculos, mas dela existem hoje no mundo apenas 100 hectares plantados, restritos a Okondo, onde está localizada a designação de origem Txakoli de Álava. Rodeada por montanhas, a região tem clima influenciado pelo Mar Cantábrico e também pelo Atlântico. Estela de Frutos compra as uvas de um pequeno vinhedo especial, de apenas 7 hectares e oferece um vinho muito interessante. Os aromas trazem cítricos, em meio a notas florais e minerais, com um toque fumado. Mostra ótima acidez e frescor. Na boca há uma sensação de leveza, mas com estrutura e personalidade cativante (12,5%).

 

Manuscrito Graciano 2014

Terra Furati – IG Tierra de Castilla – La Charbonnade – R$ 140 – Nota 91

A Graciano, nativa da Espanha, presente na Rioja e em Castilla-La Mancha, normalmente é utilizada em cortes. Assim, o Manuscrito Graciano é uma das poucas oportunidades para conhecer a casta em pureza. As uvas vem de um vinhedo situado em Ciudad Real, junto ao Rio Guadiana (o mesmo que atravessa Portugal na altura do Alentejo), a 620 metros de altitude. O clima é continental, quente, com influência mediterrânea, e os solos arenoso-calcários. De cor rubi escuro, o vinho lembra nos aromas cereja e cassis, com toques florais e de azeitona preta. Na boca apresenta muita fruta madura, é untuoso, com taninos firmes, equilíbrio e frescor. Um tinto amplo e envolvente, que se bebe com grande prazer. Estela de Frutos diz que em um restaurante de São Paulo, onde almoçou, fez ótima companhia ao prato do dia, um Virado à Paulista (14,5%).

 

Manuscrito Tempranillo 2014 (14% Vol. Alc.)

Terra Furati – DO Ribera del Duero – La Charbonnade – R$ 140 – Nota 92

Sem madeira, pura expressão de fruta, untuoso e equilibrado, muito bem feito. A enóloga Estela de Frutos encontrou as uvas que buscava em dois vinhedos situados nas extremidades da apelação Ribera del Duero. Um deles em Valbuena del Duero, perto de Valladoli, com 25 anos de idade e rendimentos baixos, de 4.500 kg por hectare. E o outro quase centenário, no lado oposto, em Baños de Valdearados, Província de Burgos, com rendimentos baixíssimos, somente 2 mil kg por hectare. Pelas características, as uvas deste último foram fermentadas em tinas grandes de carvalho francês. Ao final, o lote deixou a madeira, foi mesclado ao restante do vinho e o conjunto envelheceu na garrafa. Resultou um tinto frutado, macio e elegante, nada maquiado. Lembra cassis, cereja e ameixa negra, com notas de anis e outras especiarias. Mostra boa acidez, frescor e agradável final. Tem perfil diferente dos Tempranillo tradicionais, marcados pela madeira. Delicioso (14,8%).

 

 

 

 

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